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Sobre otimistas, pessimistas e amantes

  • Marcos Nicolini
  • Jan 1, 2023
  • 15 min read

Estou a reler Ortodoxia de G.K. Chesterton (ed. Mundo Cristão, 2008). Quem me instigou a ler tal livro, embora tenha sido escrito por um Conservador, foi Salvoj Zizek, um marxista. Qual a improbabilidade? Acabei adquirindo, lendo e não guardando nada na memória: tout oblié. Decidi reler. Por que decidi fazê-lo? Eis a questão. Não faço a mínima ideia. Mas tal leitura não é uma releitura, mas um amor à primeira vista, tendo em vista o que disse acima sobre lembrar de esquecer. Aqui estou, novamente como neófito, no capítulo Bandeira do Mundo, na página 125.



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De todos os capítulos lidos até aqui, este, em particular e de maneira extravagante, me arrebatou a atenção. Primeiro traça uma distinção entre o otimista e o pessimista, distinção esta que pode ter uma primeira aproximação com a proposição (emprestada pelo autor de uma fala de uma garotinha): "um otimista é alguém que procura seus olhos, e um pessimista é alguém que procura seus pés." (pg 109-110). Mas logo Chesterton abandona tal polaridade em nome de uma proposição mais instigante, caminho este que exige mediações, principalmente por se tratar do meus caminhos e não os do autor.


A minha cabeça fervilha com referências cruzadas, transtextuais, diriam alguns, hipertextuais. Lembro-me da lógica clássica de viés aristotélico para quem uma proposição ou é Falsa ou é Verdadeira, no esquema tão importante para a Inteligência Artificial feita de Zeros ou Uns. Para tal lógica, não haveria possibilidade de escolha outra que não seja esta polarizada, ninguém escapa desta inteligência. Não caberia aqui a existência de um terceiro excluído, algo que seja nem zero e nem um, ou, tanto seja zero quanto seja um: sacra tragédia do inelutável e do necessário. Ou você é da esquerda ou você é da direita, ou é civilizado ou bárbaro, ou chove ou não chove, ou-ou...ou você é um otimista, ou é um pessimista, ou você é do bem ou é do mal, ou você é um pessimista preguiçoso ou um otimista que trabalha (como sugere Cortella em uma de suas falas, sempre interessantes, mas nem sempre precisas).


Para mim a questão do ótimo e do péssimo, contido no otimismo e no pessimismo, está entrelaçada com outras questões. Tenho feito outras leituras paralelas sobre um tema específico e que me intriga e que tem diálogo com a leitura de Chesterton: sobre o mal. Por que escolhi este tema num tempo entre o Natal e o Reveillón? Entre o Nascimento e o despertamento? Quando me surgiu este tema corri para minha biblioteca. Um dos textos encontrados e lidos foi o de Paul Ricoeur, O Mal. J'a réveiller! Magnificent. Logo em seguida peguei outro texto do mesmo autor, O ensaio sobre o mal (texto contido no livro A Região dos filósofos - Leituras 2). Deparando-me com minhas limitações cognitivas percebo que precisarei ler mais n vezes. Então, ao andar por aí me deparei no interior de uma livraria, na qual encontrei outro autor que me é referência importante, Terry Eagleton e seu texto Sobre o Mal. Os textos O Mal de Ricoeur e Evel de Eagleton já os tinha lido, portanto, seriam, caso o fossem, releituras: oublié de se rappeler. Mas não. Como diz o poeta, todo amor é amor à primeira vista. Estou enamorado pelo mal. Entre estas leituras reli um livro de Giorgio Agamben, O mistério do mal, o qual me lembrou outro de Cacciari que trata de uma questão intrigante do poder que freia como "kathekon", elemento escatológico de São Paulo e que pode ser interessante aqui. Ainda devo citar uma leitura, em andamento sempre, de René Girard, Rematar Clausewitz: além da Guerra e Violência de Slavoj Zizek. Muita maldade num tempo de esperança (lançando mão da lógica clássica, por meio da qual ou abandonamos o mal em prol da esperança, ou desesperamos diante do mal).


Tendo feito esta tomada referencial, devo responder a questão colocada acima: por que escolhi o mal como tema? Primeiro porque eu desejei retomar Rene Girard, um autor importante em minha trajetória e que enfrenta a questão apocalíptica da qual somos contemporâneos. Este me fornece elementos analíticos muito precisos para que eu entenda o nosso tempo, antepondo o mal no mundo (diante da violência que se faz sobre a vítima expiatória, o bode expiatório) e a proposta de Cristo contra o mal (deixar-se tomar como bode expiatório a fim de demonstrar a falácia da tragédia que suporta a injustiça). Pareceria que a posição cristão pudesse ser confundida como confronto dualista do tipo maniqueísta, mas Jesus Cristo é tudo menos dualista e maniqueísta, e esta é a grande mudança epistemológica colocada a partir dos evangelhos. Se destino, contingência ou dedo de Deus, não sei, mas enquanto lia Girard, vi um anúncio do tema do programa do Luiz Felipe Pondé na TV Cultura, Linhas Cruzadas: ateísmo. Nunca havia acompanhado algum de seus programas, mas este tema me interessou. Fui ver.


Lá pelas tantas o filósofo, pareceu-me que com intenção apologética, passa a defender sua posição ateísta e o faz com a questão: se Deus é Bom e Todo-poderoso, por que o Mal? (esta é a questão clássica colocada por Epicuro - morto em 271 a.C. - com a qual se debate Ricoeur em seu texto sobre o Mal, que eu chamo -não criativamente - de trilema: pois escolhendo duas proposições, a terceira há de ser excluída) Ou Deus é Bom e não tem poder para acabar com o Mal, ou Deus é Todo-poderoso e não é Bom pois ou/e criou ou/e permite a existência do Mal, ou o Mal é uma ilusão. O fato é que percebi que Pondé tanto estava fazendo apologia do ateísmo ao dizer que o mal existe e Deus (Bom e Todo-Poderoso) não, quanto a proposição dele era simplista e rasa (certamente determinada pela proposta do programa e pelo tempo de exposição de suas crenças e teses). Pondé se dedicou a defender um ateísmo pessimista, aquele que nos esfrega a cara no chão e diz que o mundo é violento e sem sentido. Não apenas o Bom Deus não existe, como a bondade é um artifício do animal humano que aumenta, em certos momentos, a probabilidade de sobrevivência e reprodução. O mundo é violento e sem sentido, o resto é balela. Nossas escolhas são determinadas por esta tragédia: violência, sobrevivência do mais forte, reprodução e jogar o jogo. Mas Pondé fez a coisa certa, instigar me a buscar outras opiniões: jogou a isca e eu me apaixonei pelo anzol. Fui atrás de saber o que pensam alguns caras que busco conselhos sobre o que eles entendem sobre temas diversos e este em particula, aqueles citados acima, e ainda estou em busca de outras opiniões.


Em Ricoeur encontrei uma teodicéia (não dele, mas que ele expôs, que tem um sentido de questões em torno da existência de Deus) que leva em conta certa cosmogênesis (origem e princípio do cosmos, do universo) a partir da Razão Suficiente. Quando terminar minhas leituras pretendo tratar isto com mais rigor, mas, por hora, vou expor de maneira simplificada. Eis a tese da Razão Suficiente, como a entendi a partir do texto d Paul Ricoeur: Quando Deus propôs-se criar decidi não se replicar, refazer-se, fazer-se a si mesmo em duplicata, pois que os idênticos divinos se confundiriam numa reunião de si consigo, extinguindo assim a criação como algo outro: não se cria o idêntico, pois a replicação se daria como que numa linha de produção inesgotável, reduplicando e unificando assim em unidades do mesmo, sem fim, não havendo assim criação, mas replicação, identificação e unificação infinita e estéril. Então "Bereshit Bará Elohim" (Gênesis 1:1, "no princípio criou Deus"), Deus fez algo inédito, algo que não era Ele mesmo: criou o princípio e daí o céu e a terra. O princípio formal, material e temporal sobre o qual se deu a criação (esta frase traz um problema quando a comparamos com João 1: 1, mas deixemos este pormenor para lugar e tempo apropriado). Esta criação não poderia ser idêntica a Deus, isto é, Deus sive not Natura, exatamente pela questão acima: a identidade confundiria o Criador e a criatura, extinguindo esta, isto é, a criação se dissolveria em um Deus ex machina, equipamento criador, identificador, unificador, de extinção do criado...o mesmo infinitas vezes. Esta se tornaria a lógica da Revolução Industrial e da I.A, não de Deus, embora estas queiram funcionar como uma Grande Máquina Deus. Mas a criação deveria ser boa, de modos que o Criador pudesse dizer ao fim: e viu Deus que tudo que havia feito era bom (aqui deparamo-nos com a questão: a criação já terminou ou estaríamos ainda no sexto dia?). Mas não poderia ser boa a tal modo que se com-fundiria ao Criador, e assim "Bará" (até onde sei "bará" significa trazer à existência algo sem tomar elementos já existentes, fazer o que não há, não existe, algo radicalmente novo, sem o uso de elementos preexistentes) não se daria. Portanto, a criação deveria conter o máximo de perfeição conquanto com o mínimo de imperfeição, o que tornaria a criatura distinta do Criador, digamos, não apenas transcendente como incomensurável. Deus colocou na criação algo que não encontra em si: a imperfeição. A imperfeição, como diria Agostinho, é carência, não-ser. O ser estaria, desta maneira, imbricado com o não-ser, o ceús e a terra com nada (prefiro tirar o artigo, este que me exigiria substantivar nada como se fosse "o nada" e, portanto, torná-lo algo, tendo em vista que nada não-é, enquanto o nada "é" o nada). Posto isto, tal teodicéia nos permite dizer que o Bom e Todo-Poderoso Deus cria algo muito bom, contudo, não idêntico a si, portanto, imperfeito, mas que, no entanto, o ama. Deus não é lógico! Deus é amor e sua bondade se expressa em seu amor.


Por sua vez, Terry Eagleton não vai confrontar uma teodicéia. A visada dele é confrontar, primeiramente, o mal moral, ou o sofrimento causado a outro do qual somos responsáveis. Ele tece, ao longo do texto, um conjunto articulado de definições precárias e complementares para o mal, que não me cabe aqui perfilar, ou melhor, aqui não é o lugar apropriado pata tal. A primeira questão que salientaremos e que passa a ter importância no tratamento conferido ao mal, é a de não identificar o mal com uma pessoa, tornando-a, assim, irresponsável ou tornando o mal um absoluto intratável, irrecuperável. Quer seja quando falamos "esta pessoa praticou tal ato maligno pois estava possuída por Satanás", quer seja quando falamos (tautologicamente) "esta pessoa praticou tal ato maligno pois é má", eliminamos, subtraímos a possibilidade de responsabilizar o agente desta ação malígna, hora por que a pessoa não fez por si mesma, mas o fez como como se fora uma marionete de um ser do Mal, hora por que a pessoa é essencialmente má e nada ou ninguém pode fazer nada para mudar o imutável: o fato incontestável de ser uma pessoa má. Em ambos os casos a necessidade suprime a possibilidade de responsabilidade a qual advém de uma certa escolha.


Uma vez que desfaz a possibilidade de personificar o mal ou identificar o mal como uma pessoa, este se torna passível de enfrentamento, assim, o segundo aspecto que ele trata é o fato que o mal é algo a ser suplantado, ou seja, o mal pode ser desafiado e é desafiador, mais do que um impeditivo insuplantável. O mal não é definitivo, mas pode ser superado, suplantado (talvez aqui haja um exagero e deveríamos dizer que o mal seja minimizado ou precariamente enfrentado). Aqui cabe uma lembrança. Ao passar pelo texto de Ricoeur não salientei o tratamento que este autor deu à teodicéia atribuída a Leibniz. Ricoeur apresenta algo muito aproximado a esta proposição de Eagleton, ou seja, o mal é o sofrimento que nos impulsiona a suplantá-lo. O mal se colocaria diante de nós, humanos, como uma meta para melhoria de nós mesmos e das nossas condições. Em outros termos, o mal é um desafio que nos impulsiona para aprimoramento de nós mesmos (indivíduos e instituições). A existência do mal, não apenas do mal moral mas o mal contingencial também, nos proporciona metas e projetos visando nosso aprimoramento. Esta proposição não resolve o problema do mal, principalmente aquele em que uma vítima inocente sofre. Mas a existência da vítima, ou da vitimação nos coloca diante do desafio de impedir outras vítimas. O mal no coloca em movimento em fitas ao aprimoramento de nós mesmos.


Terceiro aspecto que podemos salientar do texto de Eagleton, e que me permite remeter à teodicéia apresentada acima, é que a vida e o fazer humano em específico são compostas por eventos, acontecimentos, produções, ações que ao mesmo tempo que visam o bem, trazem consigo o mal. Movemo-nos para o bem, contudo trazemos junto um efeito colateral que chamamos de mal. Fazemos um automóvel com motor à combustão ou com pilhas e estes tanto nos permitem os benefícios próprios deste produto, como os malefícios da poluição, dos acidentes; produzimos eletricidade ao custo de destruir florestas; elevamos a produção de alimentos enquanto reduzimos a diversidade da flora e fauna; etc. A ação humana se faz em atividades que visam produzir benefícios, um esforço para suplantar limitantes e dar acessos a benefícios, contudo, haveremos de ter a humilde certeza de que se produzirão males decorrente destas atividades. O mal nos leva a um esforço pelo bem, no qual já está contido outros males previsíveis e imprevistos, os quais devemos minimizar e gerar projetos futuros para remediá-los: antes de mais nada, decidir pelo projeto que busca maximizar o benefício e pretende que os efeitos colaterais, isto é, os malefícios previsíveis sejam mínimos, sabendo que o mal, por vezes, não se contém nas fronteiras no qual esperamos por ele, antes, ele é um monstro que nos prega emboscadas.


Neste ponto trago à lembrança Jesus Cristo. O cerne da ortodoxia teológica cristã está em que Jesus Cristo é homem e Deus concomitantemente. Ao tomarmos a elaboração de Jaeger apresentada em seu livro A paideia e o cristianismo, poderíamos dizer que Jesus Cristo é um sincretismo elaborado por Deus, ou, comporta uma síncresis. Para este autor, synkrasis (síncrase) significa uma mistura perfeita de tal modo que não poderíamos desassociar as partes uma vez misturadas, na tentativa de, ao fazer isto, retorná-las ao estado inicial, puro. Este foi um debate que marcou a separação da ortodoxia cristã da heresia gnóstica lá nos primeiros séculos desta presente era. Para nós Jesus Cristo é synkrasis, para eles Jesus é um corpo que serviu no tempo a uma aparência do Cristo. O corpo de Cristo não era uma prisão e nem um invólucro, mas Jesus Cristo é o homem-Deus. Dito isto podemos salientar que o cristianismo não se retém à lógica, mas que é loucura e escândalo, tal qual nos coloca São Paulo. O cristianismo não caminha pelos caminhos do ou-ou, mas do e-e, o que implica para nós muitas incompreensões.


Este mesmo Jesus o Cristo nos propõe uma parábola: "O Reino dos céus é como um homem que semeou boa semente em seu campo. Mas enquanto todos dormiam, veio o seu inimigo e semeou o joio no meio do trigo e se foi. Quando o trigo brotou e formou espigas, o joio também apareceu. Os servos do dono do campo dirigiram-se a ele e disseram: O senhor não semeou boa semente em seu campo? Então, de onde veio o joio? Um inimigo fez isso, respondeu ele. Os servos lhe perguntaram: O senhor quer que vamos tirá-lo? Ele respondeu: Não, porque, ao tirar o joio, vocês poderão arrancar com ele o trigo.Deixem que cresçam juntos até à colheita. Então direi aos encarregados da colheita: Juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro."


Certamente que esta parábola não favorece plenamente a leitura que estou a fazer, posto que apresenta um conjunto de elementos que exige elucidações, por exemplo os dois agentes, um que coordena e realiza o plantio do trigo e outro que sabota esta plantação lançando no meio dela o joio, os servos deste senhor e os encarregados da colheita, o tempo presente e o tempo escatológico. No entanto meu intento é salientar a presença concomitante do bem e do mal, cuja segregação não se faz em outro tempo que não seja o tempo escatológico, do fim. Até lá o bem e o mal coexistem e não sabemos como segregá-los sem causar danos ao bem em nome do esforço em eliminar o mal. Além da questão da coexistência do bem e do mal, está a da incompetência, inabilidade humana em discernir, segregar e eliminar o mal, sem que com tal esforço não venha a por em risco o bem. Fazer o bem não é eliminar o mal, mas garantir a colheita até que possa ser eliminado o mal. Não sabemos plenamente discernir o bem e o mal, mas guardamos e aguardamos com esperança por este dia.


Em certo sentido podemos dizer que esta recusa em segregar o mal do bem de maneira prematura seria o ketekon, este poder de freiar o mal. Pensando em uma dos conceitos propostos por Eagleton, o mal é este movimento anti-vida. Se o trigo representa aquele elemento que carrega em si a semente de vida e o joio o que se parece com trigo mas lhe está ausente esta semente, então o joio é a anti-vida que se imiscui e se mistura (sem synkrasis) ao trigo. Enquanto o mal absoluto seria esta anti-vida (aqui estou pensando em um texto de Paul Ricoeur, a Metáfora Viva, em que o autor diz que no grego o prefixo "anti" significava aquilo que se fazendo passar por, se colocar no lugar de, tem como objetivo eliminar o elemento que substitui, assim anti-vida seria uma morte que ostenta a aparência de vida) que traz a aparência e se mistura como vida, o kathekon (o poder que freia) é esta decisão de adiar a segregação do pseudo-trigo (o joio misturado na plantação) que se mistura com o trigo a fim de preservar o bem que está confundido com o mal. O kathekon é esta deliberação escatológica de adiamento da segregação do mal que simula uma estética de bem, até que...O kethekon é saber que o mal está presente nas ações que visam o bem, mas que a tentativa de eliminação radical e absoluta do mal redunda em eliminar o bem, a vida. O mal radical e absoluto que enfrentamos é decorrente de produções que tem o aspecto benéfico mas que agem como agente anti-vida. Apresenta-se como vida, mas de fato nos encaminham para a destruição do bem por um projeto maligno. O kathekon é a humildade de sabermos que o bem está impregnado de mal, contudo, não somos aptos a discernir, segregar e eliminar o mal no tempo presente. Assim, ficamos na guarda e aguardo num tempo escatológico.


Tendo passado por este caminho hipertextual, podemos iniciar um retorno ao passo inicial, ao texto, e retomar à leitura de Chesterton sobre o otimista e o pessimista. O otimista, como nos fala George Sorel (engenheiro marxista) e sem nos distanciarmos de Chesterton é aquele que em nome de um mundo melhor, ótimo, legitima e justifica os campos de extermínio, os gulags, o Grande salto para frente e a Revolução cultural, o saque à Rês-Pública, etc. Em nome do Bem se produz o mal como linha de produção. O bem é apenas um slogan que justifica o extermínio dos opositores e dos seres inferiorizados por um ato arbitrário dos agentes do Bem. O Bem são projetos intelectuais por meio dos quais são criados sistemas que subtraem o corpo do espírito, que desincorporam a humanidade, produzindo seres pensantes (a Classe Trabalhadora, a Raça Ariana, o Homo Economicus, etc.) que não pisam na terra, mas tem seus olhos no vazio. Assim, o otimista é um incansável trabalhador que produz anti-vida, imaginando um mundo resultante de Inteligência Tecnológica, isto é, arte-feita, Artificial (não deixemos de notar que Ars no latim se diz Techné no grego). Aqui nos deparamos com a bipolaridade entre Cultura e Natureza, onde a Cultura é artificio, um construtor, um produto da engenhosidade humana. A monstruosidade deste modelo não está no fato de haver Cultura e haver Natureza, mas no fato de que há um antagonismo entre tais instâncias e a Cultura é o humano, e este humano é um além-do-humano-natural, é um ser descorporificado, puro pensamento.


O pessimista, por sua vez é o que olha para o chão, está sempre em contato com a natureza. O pessimista olha o lobo caçando um alce e diz: "homo homini lupus". O pessimista nada mais vê do que cálculo do poder, a violência de todos contra todos. A vida como guerra de todos contra todos. Um pessimista não é apenas um materialista, mas alguém que não encontra sentido em nada, posto que a natureza não tem sentido: a natureza é nada. a vida para o pessimista é anti-vida, apenas representação e vontade de poder. Ele vê com a mesma naturalidade uma hiena esquartejar um filhote de gazela, ou uma matilha de lobos destroçarem um velho e doente bisão, e uma criança desnutrida e faminta abandonada por seus pais no deserto africano, ou o a decapitação de hereges pelo ISIS. Não que não sinta certo desconforto com tais monstruosidades, podendo até se engajar na luta contra o derretimento das calotas polares e contra o risco de extinção dos ursos brancos no Alasca. O problema não é este, mas o fato que dentre seus valores está aquele que diz que somos isto, animais violentos que lutam por sobrevivência e reprodução que vivem num universo que não tem sentido e não dá a mínima para nosso sofrimento e dor, o resto são jogos de linguagens. A injustiça é apenas a dor do fraco que chora a violência do vencedor. O pessimista não ama a justiça, apenas não quer ser ele mesmo um dos derrotados da terra.


Como diz Chesterton, "o otimista pensava que o mundo é o melhor possível, ao passo que o pessimista pensava que era o pior possível." A questão central sobre otimismo e pessimismo é que são vistos como excludentes, a adoção de um modo de estar no mundo exclui o outro modo. O que falta ao otimista e ao pessimista é perceber que o mundo traz consigo o desafio do bem e o perigo do mal, mas, como sugere Chesterton, é o amor despropositado pela vida, por estarmos no mundo que faz a diferença entre ser um otimista/pessimista ou ser alguém que se lança plenamente no mundo. O otimista se lança no mundo como um Grande Deus que quer reproduzir-se a si no mundo, tornar o mundo uma extensão de si, portanto, um Grande e Bom mundo sem males tal qual está descrito em sua utopia; o pessimista se lança no mundo para sobreviver e reproduzir seu estar entre violentos e egoístas, tal qual está descrito em sua distopia. Para este ser com corpo e alma, sincrético, o amor ao mundo não lhe turva os olhos de formas a não ver o mal no mundo, nem a beleza e bondade nele presente. Antes, ama o mundo pelo que o mundo é e neste amor deseja tanto estar no mundo quanto modificar o mundo, sobrepor o mal em vista de um bem maior. O trigo lançado na terra e que floresce não impede que este amante da vida saiba que neste mesmo lugar cresce o joio. Mas a presença do joio em meio ao trigal não lhe dá justificativas para limpar o terreno fora de hora, mas sabe contar os dias e planejar a eliminação do mal ali instalado.


O amante do mundo que aqui é apresentado é o que ama o mundo ao ponto de ver seus defeitos, assim como o ama ao ponto de transformá-lo em algo melhor. Este amante é aquele que tem os pés sujos de pisar a terra e os olhos brilhantes de olhar o horizonte. É como Jesus Cristo que vindo da parte do Pai pregava o Reino entre nós. Assim Deus ama o mundo, como quem está disposto a destruir tudo, até mesmo entregar-se à morte a fim de refazer mundo. Não, ele não quer fazer o mundo à sua imagem e semelhança, mas um mundo onde, ao fim, possa dizer: vejo que tudo isto é muito bom, enfim.



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