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Singularidade

  • Marcos Nicolini
  • Nov 21, 2021
  • 6 min read

Agostinho, Bispo nascido no século IV disse: creia e conheça.


Isto é metalógico, meu caro Santo.


Deixemos o relógio girar, sem perder a demanda de dia-logos.



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Gödel, matemático do século XX, tratando da linguagem matemática, logo, lógica, portanto, filosófica, por conseguinte, científica apresenta sua tese que a linguagem ou é completa e inconsistente (paradoxal, contraditória), ou é consistente e incompleta. Uma linguagem formal (nos usos que traçamos acima, ou seja, matemática, lógica, filosófica, científica) ou ela é plenamente parametrizada, mas é contraditória, paradoxal, ou não se contradiz, contudo lhe faltam parâmetros, elementos. Pensemos no equacionamento:


y1 = f (x1, x2, x3... xm)

y2 = f (x1, x2, x3... xm)

y3 = f (x1, x2, x3... xm)

yn = f (x1, x2, x3... xm)


Donde se segue que:


Se n>m há mais incógnitas do que informações, portanto não podemos resolver o sistema;

Se n<m há muitas possibilidades de resolução, havendo mais informações do que funções, portanto inúmeras possibilidades de soluções.

Se n=m, haveria o caso, teórico e não real, de haver uma única solução ótima.

O que de fato, empiricamente falando, temos é que sempre n>m, para tanto tome a crítica ao indutivismo feito por Karl Popper.


Entendendo que y são as perguntas que eu tenho e x são as informações que disponho, enquanto f( ) são os recursos que disponho para organizar as informações de maneira a responder às questões. Temos, no entanto, mais questões (n) do que informações (m) e recursos (f()). Desta maneira, a solução desta matriz de funções passa por uma estratégia heurística, da qual falaremos abaixo. Mas, o que podemos destacar aqui é que o fato de que n>m não se deve pela ignorância, ou ausência de recursos materiais, mas limitações imanentes da materialidade com que nos deixamos degenerar.

Faltam elementos para manter o edifício em pé. Esta é uma imagem que será rebatida por vias hermenêuticas e pós-modernas, como, por exemplo, em Deleuze, isto é, que haja um edifício e que este tenha fundamentos em algo outro que não seja ele mesmo. A imagem de um edifício representa a conceituação de conhecimento como crença verdadeira fundamentada, onde o fundamento hora é o real, hora é o transcendente. De qualquer maneira, estaríamos diante de uma formulação que nos permite dizer que conhecimento advém da crença.


Por sua vez, a estrutura rizomática de Deleuze que se diz sustentar em seus entrelaçamentos internos se esquece que ou obtém energia de fora ou realiza um processo de autofagia entrópica, ou seja, consome-se a si mesmo até a degeneração completa e irreversível de si. Ou se reflexiona e se sabe consistente embora incompleto e busque energia fora de si, ou se nega à reflexão em vista a uma transcendência necessária tendo em vista sua inconsistência e sucumbe.


O modelo proto-rizomático, isto é, imanentista, niilista é o que diz: Deus sive Natura, Deus identifica-se como Natureza. Sive, do latim, se usa quando os termos são permutáveis, identificáveis, pode-se usar um ou outro indistintamente. Este mito falacioso começa com a premissa agostiniana: creia e conheça, ou (sive), creia pois sem tal não se pode conhecer: creia que dizer Deus é tal qual dizer Natureza, é indistinto usar uma ou outra palavra, creia que Deus é o nome que damos ao conjunto das coisas que se relacionam em causalidade imanente, que chamamos de Natureza e conheça, desde então, tais relações causalidades rizomáticas, entrelaçadas, imanentes, naturais.


Certa vez perguntaram à Marilena Chaui, espinozista de carteirinha, se ela cria em Deus, ao que respondeu: “não, eu o conheço.” Exemplo de falsa consciência e autoengano. Ela crê, primeiro, que Deus é uma palavra a qual pode ser permutada pela palavra Natureza, sem perda de significado, e crê que é possível com os poucos recursos que os humanos têm, conhecer plenamente a Natureza sive Deus; apenas depois desta dupla crença pode se voltar ao mito do conhecimento. Crer e crer para conhecer, é o ensino de Spinoza reverberado na filosofia dos espinozistas.


Mas, não é possível conhecer a Natureza em sua completude, por duas razões: primeira, não há recurso no humano para conhecer a verdade e nem para reconhecê-la. Inventou-se um mito da razão suficiente, mas já sabemos que a razão é apenas e tão somente uma palavra para descrever crenças narcisistas que apontam para um animalzinho medroso e arrogante; segunda, a linguagem ou é consistente e incompleta, ou é completa mas inconsistente.


Retornando ao que dissemos acima, uma vez que n>m, isto é, o fechamento imanentista implica em que nos deparemos com a impossibilidade de dar conta de nossas questões, devemos apelar para um recurso misterioso, um apelo voluntarista, lançar mão de um chute, um pontapé inicial a-lógico, o qual podemos chamar de singularidade: a originalidade do movimento. Por exemplo, a impossibilidade de legitimar e justificar o poder político implica em proposições do tipo religioso, quando se diz que o “poder emana do povo, é do povo e para o povo”, fórmula no mínimo risível e misteriosa que tudo propõe e nada realiza. Risível pois a proposição imanentista, materialista da secularização implica em abandono completo do religioso como referência possível. Contudo, adotar uma premissa religiosa secularizada tanto agride a proposição niilista do secularismo, quanto mantém intacto o campo das crenças transcendentais que, uma vez adotada, nos permite manter o movimento ao conhecer e ao fazer.


Certamente que tendo feito a aposta de Pascal, melhor ainda, apostado contra Pascal, deve-se assumir a posição de crença, a singularidade até a degenerescência plena e irremediável. Lembramos que Pascal nos dirá que crer em Deus é uma questão do tipo 0/1: ou Deus não existe e crer nele em nada mudará minha existência aqui e no pós-morte, ou Deus existe e não crer nele implica consequências terríveis no pós-morte. A anti-aposta aqui seria como dizer: creio que Deus não existe e creio que posso viver uma existência encarando as consequências niilistas desta crença. A aposta é numa crença materialista, imanentista, niilista, monista. Mas esta aposta exige que deixemos as crenças booleanas (0/1) como coisas do passado e nos movamos para a incompletude consistente. A consistência está na singularidade e a incompletude se dá por outras vias.


O encarar desta limitação das linguagens (matemática, lógica, filosófica e científica) implica em mudança de método e não da premissa inicial. Daí que foi preciso mover-se de um espaço semântico gramatical booleano para um campo de forças bayesiana: do binômio 0/1, para a retroatividade e as probabilidades. Deixamos o campo das certezas dadas pelo binômio Verdadeiro/Falso e adentramos o campo das crenças e dos vieses, onde nossos palpites, opiniões variam num campo continuo dado pela variabilidade onde: 0<x<1.


Segundo o teorema de Bayes podemos calcular a probabilidade da ocorrência de um evento desde que tenhamos dados probabilísticos anteriores. Primeiramente devermos perceber que deixamos o campo da mecanicidade das funções do tipo y = f(x), para o campo das múltiplas possibilidades eventuais. Na premissa mecânica dizemos, “dado x sabemos que y ocorrerá”. Na premissa probabilística dizemos, “dado a probabilidade de um evento x, podemos crer, calcular a probabilidade de y ocorrer.” Outra questão relacionada ao cálculo da probabilidade de um evento y é que ele se relaciona à crença subjetiva que influencia nas expectativas, crenças futuras: se sou a favor do político P1, então entendo que a probabilidade dele se tornar presidente é de X%, mas se eu sou a favor do político P2 entendo que a probabilidade de P1 se torna presidente é Y%, onde Y%<<X%. O cálculo da probabilidade de um evento futuro é afetado por um viés, uma crença não racional e que me leva a obter uma crença racionalizada.


Toda questão submerge, no entanto, no fato que estamos lidando com um universo finito e fechado, ainda que em expansão. Este universo finito e fechado é, por conta da finitude e fechamento, entrópico, isto é, degenerativo, degradante, cuja tendência é reduzir os gradientes de energia, em outras palavras, o inferno do igual. A aposta numa identidade imanente de Deus e Natureza nos faz mover como um filho pródigo que dissipa seus recursos e energia até ao esgotamento pleno destes. O crer e conhecer agora se tornou uma aposta niilista entre possibilidades vazias. Quebramos o espelho dos príncipes para adotarmos o cálculo do poder, cujo sentido e fim é a conquista, manutenção do poder. Os entrelaçamentos da lógica do poder, do cálculo do poder visa apenas a sustentação deste modelo autofágico que rouba hiperbolicamente a energia de muitos para a sustentação dos privilégios dos modelistas justificados e legitimados como tais.


Enfim, ficamos como Jeremias: antevendo um futuro possível e nefasto na esperança que, como diria Heidegger, Deus venha nos salvar. Em outras palavras, que a crença original brote na memória do filho e ele diga: “na casa de meu Pai...”


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