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Resignificando a desconstrução

  • Marcos Nicolini
  • Jun 16
  • 5 min read

Há anos fui a Bogotá e pude visitar ali o museu dedicado às obras de Botero.


Dentre os quadros, dois se destacaram a mim: Mona Lisa e o Flautista.


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Não me refiro A Leonardo da Vinci e nem a Manet, mas aos olhos de Botero.


O artista Colombiano olhou a obra de arte de seus precedentes e as pintou a partir de suas lentes.


Caso não o fizesse, apenas seria um reprodutor ou um falsificador.

Pelo contrário, imprimiu seu ponto de vista às obras consagradas pela feitura de gênios do passado.


O gênio de Botero é dizer: assim que vejo tais manifestações artísticas singulares.


Não as reproduz, mas as relê.


Um autor estadunidense, Richard Rorty, chamaria isto de ressignificar e um francês de nome Jacques Derrida chamaria isto de desconstruir.


Cabe uma observação: desconstruir, para Derrida, não é destruir reputações e nem fraudar provas obtidas por meio de tortura ou ameaças, mas tomar um texto e imprimir novas possibilidades de leitura. Claro, os niilistas das narrativas judiciárias e jornalísticas vão dizer que tomaram a palavra “desconstruir” e a “desconstruíram”. Eu fico pensando, até que ponto podemos confundir, identificar o desconstruir com destruir e assim justificar perseguições políticas.


Certamente que ressignificar não é desconstruir, mas ambos os conceitos nos auxiliam a admirar o que Botero fez com sua admiração pelo feito de seus antecessores.

Para entendermos um pouco do que eu entendo por ressignificar, permitam-me tomar um exemplo futebolístico.


Certo momento da história das barbáries realizadas em nome das preferências futebolística, a chamada torcida do Palmeiras realizou um quebra-quebra digno do MST ou de Bolsonaristas no DF.


A mídia prontamente os chamou de porcos, a uma alusão bíblica do destino mais vil que os demônios foram remetidos quando Jesus livra um pobre coitado atormentado por espíritos malignos. Claro que porcos significavam naqueles tempos de Jesus a besta mais imunda que se poderia imaginar.


As torcidas adversárias passaram a gritar “porco, porco”, na tentativa de ofender e desestabilizar a torcida e a equipe do Palmeiras, quando os times se enfrentavam.

Tempos depois, um atleta que atuava na equipe do Palmeiras e que tinha grande prestígio junto à torcido, com o intuito de dar fim a esta forma depreciativa com que a equipe e a torcida eram tratadas, entrou em campo levando nos ombros um porquinho pintado de verde. A torcida do Palmeiras entendeu a ressignificação daquele símbolo e gritou: “Porco, Porco, Porco...”.


Desta maneira o que portava um significado pejorativo passou a ressignificar um símbolo da torcida, fazendo com que os adversários não mais tivessem como ofender a equipe.

Isto significa ressignificar.


Por sua vez, desconstruir é tomar o texto já lido e relido, interpretado e reinterpretado, e tencioná-lo a fim de que o texto original possa servir como alinhamento para novos tecidos interpretativos. Rejuvenescer o texto, torná-lo vibrante e sacar nele certa contemporaneidade.


Desconstruir não é destruir, mas liberar o texto das amarras impostas por leituras que o engessam, que o aprisionam a uma ortodoxia. É olhar por uma lente que tanto o preserva, quanto o inova.


Os quadros de Botero tanto ressignificam quanto desconstroem as obras de Leonardo da Vinci e de Manet, quanto tornam o olhar de Botero um modo contemporâneo e próprio de ver a beleza.


Botero consegue, para mim, traduzir um modo de estar diante da obra dos gênios. Digo, Botero é genial a seu modo.


Ele é irônico em sua desfiguração do canônico.


Ele aplica uma técnica consagrada sobre trabalhos consagrados a fim de demonstrar esteticamente como se pode aproximar do que é irretocável, mormente, Mona Lisa, mas também o Tocador de Pífaro.


Podemos olhar para tais obras desconstrutivistas de Botero e darmos nossa anuência ao

convite feito pela mania ortodoxa de chamar aquilo de heresia, uma desfiguração da expressão irretocável do gênio.


Por esta via dizer: você é um ignorante, um bárbaro agressivo, um pária iconoclastra.


Por outro lado, podemos estar diante das técnicas resignificadoras de Botero e nos entregarmos maliciosamente à ironia desta originalidade e perceber naqueles gestos um modo de trabalhar os textos.


No caso de Botero o texto se inscreve em telas a partir de tinta e pincel.


De minha parte, prefiro à iconolatria da ortodoxia intelectual a iconoclastia irreverente da ressignificação e da desconstrução que permite traduzir em termos contemporâneos as proposições feitas em um tempo passado.


Some-se a isto minha educação que passou pela engenharia, em especial a de Produção.


O engenheiro é aquele ressigificador que toma os trabalhos de matemáticos, físicos, químicos, e por que não dizer, biólogos, da medicina e, também, da computação e organizar estas coisas de tal modo a responder às demandas advindas de desafios efetivos e tornar em dispositivos práticos.


O engenheiro é desafiado pelas demandas objetivas e práticas, a oferecer respostas às demandas efetivas e pouco se entrega às especulações.


Um engenheiro é como um Botero que toma uma técnica (da pintura) e as obras do passado (da Vinci e Manet) e está diante de uma sociedade obesa, glutona, de acumulação e busca demonstrar, por meio da junção da obra de arte com o tempo atual, como o olhar da arte de faz numa sociedade que se expande sem criar nada de novo.


Eu, que não sou gênio (não posso jamais me colocar diante da questão que Nietzsche se pôs: “por que escrevo tão bem?”), mas porto um analfabetismo funcional de segunda ordem, junto quatro polos graves: 1º, minha experiência religiosa de viés cristão-protestante, 2º, minha formação em Engenharia de Produção, 3º, minhas leituras de textos filosóficos, sociológicos, de história, de mística cristã e teologia patrística, e outras áreas das sociais e econômicas e 4º meu gosto por Botero, Klint, Basquiat, Kandinsky, Klee, etc, assim como poesia de Manoel de Barros, Celan, Cacaso, Bukowski, Gullar, etc.


Hieronymus Bosch: O Juízo Final
Hieronymus Bosch: O Juízo Final

Portanto, meu interesse não é pelo que os pensadores herméticos e esotéricos falaram efetivamente. Mas como suas frases e proposições são tomadas de modo distorcido nas lutas políticas e religiosas atuais.


Não me importo com o sistema de pensamento de um Aquino, um Espinoza, um Kant, um Nietzsche, um Heidegger. Mas com que os engenheiros sociais fazem com estratos manipulados e arranjados a fim de dar sustentação e legitimação a uma ordem social.


Um bom exemplo é o que os nazistas fizeram com Nietzsche. Este louco falou inúmeras coisas, pouco inteligível para 99,9% de nós (eu incluso aqui). O que importa de fato é o que os nazistas tomaram dele, reinterpretaram a seu modo e legitimaram filosoficamente todas as atrocidades que realizaram.


Outro exemplo é o que o judiciário e os jornalistas tomam da Constituição e a manipula de tal modo que a corrupção (corromper a própria Constituição em nome do Estado de Direito) pareça garantir a Constituição e o Estado de Direito e Democrático.


O melhor de tudo é verificar, como um crítico de arte (aquele que diz entender de arte, sem ser competente o suficiente para fazer arte), estudar a engenharia social que está em andamento, por aqueles que dizem ser humanistas. Em nome de um (pseudo)humanismo, usam técnicas de eficiência capitalista a fim de (dizem eles) promover um mundo melhor, mais humano.


Estes engenheiros sociais não são como Botero, que toma a genialidade e a torna contemporânea por um olhar cínico e irônico, antes, são como Hieronymus Bosch, que em nome da tradição artística, produzem o Juízo Final.

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