Qual Napoleão?
- Marcos Nicolini
- Aug 4
- 3 min read
Tenho pensado sobre algumas coisas.
Elas estão motivadas por este embate semântico que nos encontramos quando ouvimos falar de “democracia” e “soberania”.
Deixemos de lado, por hora a democracia, voltemo-nos à soberania.

A ideia de poder Soberano começa a ser pensado ante da Modernidade, propriamente dita, com Bodin. Tem a ver com Povo, Território e Leis, num esforço de romper os laços da teologia, o nó górdio.
A soberania advém de um certo modo de uma população se conceber sob afinidades linguísticas, históricas, culturais, etc. Digamos, quando compartilham certos mitos identitários.
O território é importante, mas não necessário, para tanto tomemos por exemplo Israel e os povos nômades, como os ciganos.
Deste ideal da soberania surgiram três grandes mitos de Estado: Hobbes, Locke e Rousseaus, mas, de fato haveremos de pensar em Hegel, como o quarto elemento.
Hobbes dizia que o poder soberano é resultado da alienação do poder a um indivíduo ou a uma assembleia, por razões que não vale a pena a pena pensar aqui;
Locke dizia que o poder soberano é próprio dos homens de negócios, dos intelectuais e dos sacerdotes, os quais constituem representantes, aqueles que tem o dever de representar os interesses dos representados em assembléia;
Rousseau não admitia a representação, mas a democracia direta e da vontade Geral, certo consenso obtido pelo povo, sabendo que o poder emana do povo, pelo povo e é para o povo;
Hegel, por sua vez pensa numa Ideia de Estado. A melhor forma de dizê-lo é retomar sua fala ao ver Bonaparte em Guerra: “eis o Estado à cavalo”. O Estado, portanto o poder soberano, é uma Ideia concretizada. (esse Hegel não é fácil de explicar em poucas palavras)
Podemos, então, nos atrever a propor uma possível síntese dos quatro pensadores: o Estado é este poder soberano que se realiza na história, quer por alienação do poder, quer pela representação, quer pela Vontade geral, quer pela síntese de uma ideia num povo.
Restariam muitas questões, dentre elas a de saber o que é um povo.
Toda esta recordação para dizer que o embate que vivenciamos se dá na escolha, ou ausência de escolha, entre Hobbes-Hegel, de um lado, e Locke-Montesquieu de outro e Rousseau servindo de reforço ou crítica a Hobbes-Hegel. Entre alienação e liberalismo, entre totalitarismos e relativismos.
Para Hegel, o Governo é a temporalização do Ideal, o Estado, em um povo historicamente reconhecível. Dever-se-ia ficar atento ao espírito de época e perceber a Ideia que “busca” um povo para se mostra como Realidade. Cabe lembrar que a Ideia é Real, enquanto o povo é a matéria-prima a ser informada por ela;
Para Locke-Montesquieu, o Governo é um arranjo cuja finalidade é por em movimento a ordem determinada pelas vozes representadas e confrontadas pelos embates político, postos na e pela sociedade. Para tais, o Governo é uma ordem subalterna ao poder soberano, o povo, ou parcela dele, que este faz operar segundo sua escolha e determinação, como resultado, precário e temporário, das perspectivas políticas.
Entendo que, dada o pouco que conheço de nossa Constituição, estamos diante de um movimento narcisístico, de um grupo que jurou submissão ao povo e sua Constituição, aquela que está embebida de conceitos Lockeano-Montesquiano, mas sequestrou o sentido de soberania ali adotado e tomou, por golpe, o Governo, tentando realizar uma identificação entre Estado e Governo (si-mesmo que olha para o espelho e diz: sou Napoleão), selando o cavalo de uma história que ele quer contar sobre si e no qual finca as esporas do medo e da arrogância, estendendo o terror sobre os que deveria servir.


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