Desigualdades e Diferenças
- Marcos Nicolini
- Dec 12, 2016
- 6 min read
Sabemos que a questão das desigualdades é um tema que tem ocupado cada vez mais o interesses de pensadores, aqueles que reconhecem o que sociedades como a brasileira já notou. Não apenas os intelectuais das Ciências Econômicas, como das Ciências Sociais e

Política, de modo intenso têm se debruçado sobre este assunto. Na Filosofia a questão da desigualdade se coloca no confronto entre liberdade e igualdade, além de ampliar a discussão para conceitos como liberdade positiva e negativa, assim como conceituação de igualdade, desigualdade e diferença. Aqui e ali, ainda, se ouve o retorno da Biosociologia e da Genética acossando a Tradição Acadêmica que assume a constância genética do humano nos últimos 150.000 anos, apontando para questões genéticas que diferenciam indivíduos e grupos.
Percebemos, ademais, que os estudos sobre as desigualdades deixaram de tomar referência, quase que exclusiva, as sociedades periféricas, ou, a comparação entre sociedades periféricas e as sociedades ricas e passaram a enfocar o aumento das desigualdades no interior das sociedades ricas. A preocupação da academia se deu pela constatação da crescente desigualdade no interior das sociedades ricas, até então, bem menos desiguais que as sociedades periféricas, ou, em que as desigualdades implicavam em diferenças integradas na eficácia dos modelos econômico e social. desigualdades encontraram, em velhas formas de abordagem, respostas simples, tendo em vista sociedade muito menos complexas que as que temos hoje. Aristóteles diria que por natureza alguns são cidadãos e outros são escravos, desenhando, assim, hierarquias sociais baseadas no homem grego. O interior de uma casa grega era hierarquizada tendo como elemento fundante o homem adulto, passando pela mulher, filhos, escravos, animais de trabalho, e coisas. Na cidade o cidadão centrava a ordem, passando pelo grego que trabalhava com as mãos, o estrangeiro livre, o escravo e o bárbaro. Na Idade Média a Natureza foi substituída pela providência divina. Deus fez uns nascerem para o sacerdócio, outros para a nobreza e os que seriam os servos, além dos pagãos, os hereges e outros párias.
Em algumas Modernidades estas estruturas naturais ou providenciais foram substituídas por ordens com tendência mais igualitária: qualquer homem poderia ocupar cargos políticos, ser sacerdote, empreender e ser trabalhador. No entanto, em John Locke, por exemplo, este “qualquer homem” deve ser explicado, pois será qualquer homem que for proprietário, detentor de algum capital econômico ou social. O Legislativo, o lugar da soberania da República, era constituído pelos representantes dos homens de negócios, de letras e de sacerdotes. O trabalhador, que não possuindo propriedade (laico, por premissa), ocuparia posição subalterna, não sendo representado no Legislativo. Neste sentido, era um semi-cidadão, ou cidadão de segunda classe. Em Rousseau o “qualquer homem” incluiria qualquer um que não discordasse, não questionasse a Vontade Geral. A liberdade em Rousseau é positiva, o que significa que o indivíduo livre é aquele que se identifica com o Todo que o contém. Os discordantes, os novos hereges, os que não se identificam com este Todo seriam eliminados da sociedade rousseauista, quer pelo exílio, quer pelas câmaras de gás (ou equivalentes, como a guilhotina). As experiências fundadas na homogeneização social, em outros termos, na igualdade formal e factual, redundaram nos regimes totalitários do século XX, assim como nos extremos da Revolução Francesa.
Vemos, assim, que as abordagens sobre a desigualdade entre os homens são antigas e os prognósticos geraram outras doenças sociais graves, que aprofundam as distâncias entre os humanos. A droga que pretendia curar causou pandemias avassaladoras. Se a desigualdade entre os homens finca raízes na propriedade privada, como queria Rousseau, os comunistas (aqueles que defendem a comunidade da propriedade dos bens de produção) e os anarquistas também a combateram. Tirando as experiências pré-históricas, o anarquismo nunca foi uma experiência válida em sociedades complexas, enquanto o comunismo foi trágico, como sabemos.
O fato que o remédio contra as desigualdades, proposto pelas esquerdas históricas, pela tradição política ocidental, foi um fracasso, o que suscitou a monotonia de uma direita liberal que tem pregado a vitória do Mercado, isto é, das diferenças naturais. O fim da história significou a ausência de ideologias alternativas e o monopólio das trocas mercantis entre homens livres e racionais. Todos os homens são igualmente livres e racionais, embora sejam diferentes, o que implica em desigualdades, quando a natureza predatória do mais forte, ou mais apto, solapa e impede as condições de possibilidade dos menos favorecidos. A desregulamentação dos Estados, a redução da participação estatal no Mercado, a livre troca entre nações, a especialização das nações em redes globais de agregação de valor, etc., tornou-se o mote monotônico no mundo.
Todos estes movimentos, difundidos pelos apologistas dos Mercados livres (não sujeitos à coações), também produziram seus efeitos colaterais. Nas experiências comunistas (voltamos a dizer, as experiências que procuraram abolir a propriedade privada dos meios de produção e a adoção da propriedade estatal dos meios de produção) a desigualdade ganhou o trágico desenho da segregação social em dois blocos antagônicos: a burocracia do Estado (privilegiada e determinadora da Vontade Geral) e os trabalhadores (com suas perversas e corruptas vontades individuais) submetidos a serviços compulsórios sob o olhar atento dos aparatos policiais do Estado. Nas experiências do monopólio do Mercado como racionalidade social, vemos o agravamento das desigualdades em três níveis.
Primeiro, as desigualdades internas aos países, nas sociedades nacionais; segundo, a desigualdade entre nações, entre países; e, terceiro, a desigualdade transnacionais. A partir da década de 1980, os indicadores sociais e econômicos têm sinalizado o aumento das distâncias entre ricos e pobre: países e indivíduos. De igual maneira, as diferenças baseadas no homem branco, que estruturam certa hierarquia velada na sociedade, têm implicado em desigualdades. Certamente que as desigualdades entre países, no interior dos países e entre indivíduos de países diferentes não se resumem apenas às microdiferenças.
Em um mesmo país, como o Brasil, percebemos desigualdades entre indivíduos que exercem funções similares, mas tem características biológicas distintas, por exemplo, quando comparamos a renda média de homens e mulheres e quando comparamos a renda média de brancos e não-brancos. Também há diferenças quando comparamos a renda dos futebolistas mais bem remunerados e os professores mais bem remunerados, apontando para diferenças entre profissões. Outra diferença está entre profissionais com características biológicas similares, profissões similares, mas exercem suas profissões em lugares distintos, como São Paulo e Piauí, por exemplo. As desigualdades regionais em países como o Brasil, nos alerta para as desigualdades entre nações.
Há as diferenças entre países. Por exemplo, se compararmos Brasil, Haiti e Suíça, e tomarmos indicadores econômicos e sociais, tanto o PIB per capta, o salario médio, o GINI, o IDH, etc., quanto se tomarmos as remunerações entre homem e mulher, brancos e não brancos, e entre profissões, veremos desigualdades substanciais entre tais países. Se as diferenças (sexo, etnia, profissão, educação, etária) estabelecem desigualdades, também há desigualdades entre espaços regionais, entre países e estados dentro de um mesmo país.
Temos, por fim as desigualdades quando comparamos grupos de indivíduos homogêneos (mesmo sexo, mesma etnia, mesma profissão, mesma educação, mesma faixa etária), mas de diferentes países. Comparamo-los sem considerar as fronteiras nacionais/regionais e podemos verificar desigualdades de renda e qualidade de vida. Caso comparemos um/a professor/a de pré-escola no interior de Goiás, com o/a mesmo/a profissional no interior da Flórida (USA), ou Provence (França), haveremos de constatar desigualdades, embora não haja diferenças substanciais entre os grupos de indivíduos.
Deste ponto podemos dizer que as desigualdades não são determinadas apenas pelas diferenças individuais, mas sofrem influências das diferenças entre sociedades. Devemos salientar que em uma mesma sociedade, indivíduos que compartilham de atributos similares poderão ser desiguais, resultante de aspectos singulares, individuais. Contudo, as sociedade também determinarão desigualdades por conta das diferenças entre elas e que afetará as desigualdades individuais transnacionais.
Abrindo um parênteses, devemos dizer que tendo em vista que o debate, cruento, entre aqueles que defendem que as diferenças biológicas determinam desigualdades sociais e os que defendem que as desigualdades são resultantes apenas da sociedade (dos arranjos sociais), não é conclusivo, e nem conta com nossa aceitação, adotaremos a hipótese que as diferenças biológicas gerais não produzem desigualdades sociais de acordo com sexo ou raça. As diferenças biológicas não gerais seriam aquelas que marcam alguma desigualdades, como por exemplo a impossibilidade de um atleta de futebol ser paraplégico. Fechando o parênteses.
As desigualdades, como dado social, dão-se entre indivíduos no interior de uma nação, entre nações e entre indivíduos de nações distintas, como apontamos acima, isto é, notam-se por diferenças. Contudo, se os dados nos permitem constatar tais tipos de desigualdades, não nos falam sobre os dispositivos que as produzem, as diferenciações. Um caminho que nos parece ser promissor, para pensarmos nestes dispositivos, é partirmos de explicações sobre as diferenças entre nações, as diferenças internas às nações e as diferenças entre grupos e indivíduos em uma mesma nação, que produzem desigualdades. As diferenças agiriam em prol das desigualdades.



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