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Palavras herméticas  enauseadas.

  • Marcos Nicolini
  • Jun 3
  • 6 min read

Certa vez estava andando numa destas livrarias e entre os livros de poesia encontrei um cujo título quase que era um espelho de minhas motivações. Um livro de Bukowski:


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“Escrever para não enlouquecer”. Não era o primeiro, mas talvez tenha sido o último deste autor que li. Outro dia estava folheando-o e me diverti novamente. Certamente Bukowski é divertido para mim.

 

Contudo, escrever não é divertido, mas, quase necessário (ressalte-se o “necessário” enquanto o quase é apenas um adendo que o questiona). O que quero dizer é que não escrevo para ter sentido, nem mesmo ser compreendido. Por que então o faço? Pois, como sinalizaria aquele existencialista, este tempo me dá náuseas. Cada um que tenta me ler não é o primeiro e não será o último a dizer que minha escrita é um porre, prolixa, indecifrável e hermética. Talvez tenha me deixado capturar por minhas tentativas de leitura de Aquino, Espinosa, Kant, Zaratrusta de Nietzsche, Heidegger de Ser e Tempo, mas tudo começou em aulas sobre Francis Bacon e sua Sabedoria do Antigos (apesar de toda competência do professor que traduzia aquilo para meus colegas). Cabe ainda lembrar de Paul Celan, e suas poesias reunidas sob o título Hermetismo e Hermenêutica.  Como diz Aristóteles, somos animais de imitação.

 

O quero dizer não é que quero imitar os gênios, antes, meu esforço não é positivo, da imitação, mas negativo, do não enlouquecer. E o faço não como Bukowski, com genialidade e poesia, mas com náusea. O que é esta escrita, então? Apelarei para a imitação, negativando-a, ou, como se queira, desconstruindo-a.

 

Já ao fim da FFLCH, quando me encontrei novamente como aluno do mesmo professor que tentou des-hermetizar o hermetismo daquele Bacon, li um texto de Michel Foucault, “A escrita de si”, em que o francês se detém numa prática ascética de um cristão do IV século (dispensável dizer de qual era), Santo Atanásio e seu exercício de escrita chamada de hypomnemata, isto é, gravar num diário o que lhe passava em pensamentos. Talvez um Nietzsche aforístico seja um bom exemplo de um Atanásio niilista.

 

Sei, no entanto, que não sou hermético, isto exigiria talento, pelos nomes arrolados até aqui, antes, respondo por outros termos. Para desenhar o movimento que executo preciso juntar outro nome e outra proposta. Numa destas idas a alguma livraria, levei comigo um texto do Derrida sobre o apocalipse. Do pouquíssimo que compreendi e ainda menos pude reter, estava a explicação dele sobre a tradução para Apocalipsis: o ato de desnudar uma prostituta. O que os cristãos entendem por Revelação, o filho da desconstrução (pelo que sei ele adotou este termo que se encontra no Ser e Tempo) sinaliza como mostrar “as partes íntimas de quem já as mostrou a todos”. Muito interessante isto, mas é tema para outra náusea.

 

Em um tempo no qual a intimidade é perpassada por todos os códigos de IA, a maneira de se proteger é simular uma linguagem hermenêutica, que não o é. Antes, é náusea que brota incontivelmente, com o mínimo de filtros e revisões. Vai do ato incontrolável da escrita relaxada à publicação não revisada num ato contínuo que desconsidera a liturgia que segrega o sagrado do profano. Assim, podemos pensar numa hipomnemata bukowskiana apocalíptica (HBA).

 

Não é para ser lido, é para ser escrito numa resposta positiva à náusea. Aliás, se quiser perceber mais alongadamente esta escrita que se propõe a “ser” heresia da razão, ou esta HBA, convido ao passeio mais alongado a este meu blog.

 

Assim simulei um esforço para explicar quem me diz: “não entendimento nada”. Aqui poderia brincar com esta fala, pois não entender nada pode me dizer que se entendeu tudo. Não obstante este jogo de significados, fico, por hora, com a coloquialidade deste sentido sinalizado.

 

Não entender nada pode ser tomado como uma tradução ao ato de discordância radical de quem prefere rotular de non sense a fala alheia, bárbara, evitando a possibilidade de diálogo. Mas se há a possibilidade de diálogo, a concordância se dá como ponto de fuga, isto é, busca-se o entendimento como repulsa ao monólogo, da linguagem unidirecional. Decidimos concordar sobre a disposição de nos lançar ao diálogo, mormente com quem discordamos radicalmente.

 

Lembro-me que alguém, lá na FFLCH, disse que Aristóteles tenha dito algo como: “sou amigo de Platão, mas muito mais da verdade.” Como ressonância a esta fala me pergunto se não seriam os tempos sombrios que tornam os humanos intransigentes, indisponíveis ao dissenso? Esta herança medieval que transforma o adversário em inimigo me causa mal-estar, náusea. Esta disposição maniqueísta de tomar o discordante em bárbaro e como tal em certa sub-humanidade. Acompanhando o tempo podemos entender que o que era Medieval se seculariza como política. Esta religião secularizada da política que é radicada na relação amigo-inimigo, como nos ensina Carl Schmitt, e sinaliza para a paz dos cemitérios, repudiada por Kant.

 

Entendo que quando se diz “não entender nada” procura-se traduzir o mal-estar que tanto pode indicar um tornar bárbaro o inimigo, nos termos da sub-humanidade, quanto acolher a possibilidade de atrair ente bárbaro ao campo do entendimento legitimado pela civilidade. Mas, prefiro, tomar como um desafio presente na filosofia que coloca no espaço público o diálogo como debate e este como abertura para a discordância. Onde se pode chegar a dizer que entendemos tudo quando fazemos da discordância (ainda que isto venha de uma disposição de não cordialidade) como a posição de descentramento que faz valer a pena conversar.

 

Aliás, há uma música da Cassia Eller que diz algo assim: “terminarmos aquela conversa que não terminamos ontem...”. Gosto de cantar profanando aquela poesia e dizendo: “continuar aquela conversa que terminaremos nunca...”. É isso que me faz escrever: não conseguir concordar comigo, nunca. Portanto, para mim, uma boa conversa é não concordar a fim de não terminar sempre.

 

Então, creio que há a possibilidade de enfrentar a revelação (apocalipses!): quem é o Pai? Primeiramente devo me atrever a dizer que não é o “pai”, mas o “Pai”. Como se percebe, não sou bom em filosofia, mas em patchworkismo. Como minha capacidade de entender sistemas filosóficos é rasa (quanto mais robustos mais herméticos, no sentido positivo e não no chinfrin como seus imitadores) devo pedir “vênia”.

 

Talvez possa me arriscar aqui uma leitura profana de Lacan, “Nomes-do-Pai” e lembrar quando diz: “O pai primordial é o pai anterior ao interdito do incesto, anterior ao surgimento da Lei, da ordem das estruturas e do parentesco, em suma, anterior ao surgimento da cultura.” (Zahar, p. 73). Seria o Pai aquele que diante da aparente desordem ordena sem ordem? Poderia ser. Pensando cosmologicamente, o Pai é o que antes do Big Bang diz, “haja matéria”. Em termos políticos é o Legislador que é anterior e sobre a Lei e nunca estará sob ela.

 

Em termos da lógica seria, quem sabe (eu não posso saber), aquele que fala a meta-linguagem, pois quando diz “não sabia”, ele nem sabia e nem mente, pois de onde ele fala (seu lugar de fala?) é pré-gnóstico. O Pai é o que funda linguagem, portanto, não pode ser questionado, mas interpretado construtivamente. O Pai é o que diz: “nunca antes nesta Terra...”. Então ele revela o início e o fundamento: arché, ele mesmo?

 

Conforme diz Lacan, no título deste escrito, não há fissuras no Nome-do-Pai. No princípio Ele diz, “haja água” e a água se fez no lugar da sequidão, da miséria, do abandono. O Pai está dizendo que ouviu o clamor do sedento e trouxe segundo a fé (os votos de confiança) o desejo de seus gerados. O Pai se une e se separa de Deus: este trouxe a miséria, o Pai traz a abundância. Talvez devamos pensar como os gnósticos e Elohim, o deus infame da matéria que trouxe o mal e o Pai, o Deus da abundância e generosidade.

 

O que é hermético? O Pai. Portanto, exige-se uma linguagem que lhe seja apropriada, mais do que hermética, mystiké. Não há diálogo com o Pai, posto estar num lugar pré-linguísitco, soberano. Ou se é absolutamente subserviente à sua Lei primordial, ou chama para si a Vontade Geral de seus filhos, que o chamarão de sub-humano. Aqui podemos nos lembrar novamente de Aristóteles: apenas os deuses (chamemo-los de Pai) e as bestas (os inimigos, os estrangeiros) não têm Lei.

 

Tudo que escrevo em textos resultante da náusea é um transbordo deste tempo em que os limites do diálogo são rompidos e a violência e a mentira tomam o lugar da discordância. Enlouquece-me e sufoca-me quando vejo, além do Pai-Providência, os debates monstruosos na Assembléia que menos querem um projeto que passe pelo apaziguamento via diálogo e mais a guerra de extermínio.

 

O Pai, Marina e seus Anjos travam uma guerra de extermínio contra o Pai, os Filhos e seus Anjos, enquanto nós, atônitos ficamos como que falando em línguas estranhas a estes. Uma língua que lembra o salmista: “prepara para mim uma mesa na qual eu possa ter uma ceia com meus adversários (e com eles encontrar uma forma de viver juntos).” De fato, apelo a uma linguagem estranha, na qual há o apelo para que o lobo e o cordeiro vivam juntos (a despeito dos sábios). Mas como, se o leão amando o cordeiro faz dele sua refeição? Isto é um mistério.

 

Obs.: se houve um tempo muito criativo e efervescente para mim foi quando estudava na Filosofia e alí pude conviver com ideias conflitantes. Sou grato por aquelas aulas que me permitiram questionar e ser amigo do pensamento.

 
 
 

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