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O velho que bate à porta

  • Marcos Nicolini
  • Sep 25, 2015
  • 2 min read

Todo ano sou abençoado com 48 dias paradisíacos. As noites encurtam, perpassadas por suaves e frescas brisas se céu estrelado, de lua nova e repleta de chuvas meteóricas. Os dias suaves, a temperatura amena, como as nuvens cronológicas que cobrem o céu fazendo

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precipitar copiosas águas que enchem os lagos e fazem os rios, em caudais fortes, que descem em profusão, cuja sonoridade lembra um sinfonia de Beethoven, com peixes pululantes, como quem dançassem alegremente. Os pássaros cantam com alegria, os animais correm pelos campos, as serpentes dormem, as flores se abrem como num hino à vida. Os frutos mais doces e cítricos proliferam em cores e sabores inigualáveis. Nos antigos desertos vejo brotar fontes inesgotáveis e o confluir dos sedentos. A vida escoa por meu sangue, meus olhos se tornam mais claros, os pensamentos mais tranquilos, os músculos mais fortes, a energia mais vistosa. Caminho por entre a cidade como se estivesse em seus parques e nos parques como que em casa, em casa me sinto sempre. Dias de paraíso, de juventude eterna, de renovação como uma Phênix. A mulher amada a tomo como amante e os filhos como amigos. Participo de seus jogos, deixo-me levar por suas seduções. Dias de lágrimas de alegria, de reconhecimento de uma singularidade, da distinção, do renovo. Noites de festa e júbilo, cantos e sons de champagnes em explosão, danças e de conversas sem máscaras. Dias em que o Éden utópico se faz tangível e a harmonia se faz musical. Não posso distinguir o sonho da vigília, pois esta é mais intensa e prazerosa que aqueles. Mas, então, percebo, horrorizado, o tic tac do relógio, como o anúncio trágico de um fim esquecido, anunciado. Diferente de um conto em que se pode fugir da festa deixando atrás de si um sapato cristalino, não há como remediar, escapar, fugir. As noites tornam-se mais escuras, gélidas e amplas, os dias esquentam, o sol arde, as serpentes espreguiçam-se como que vai sair do leito, e os pássaros desafinam. As águas se tornam turvas e traiçoeiras. Os filhos ausentam-se. O verde se torna amarronzado. Como um arauto de dias cansativos, de energia escassa, o tempo sinaliza o fim daquele hiato edênico e o retorno ao inevitável e trágico desenrolar dos anos. 48 dias de juventude se esgotam em 48 milissegundos, e o menino se torna um velho!

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