Minha justificativa moral para meu voto nulo
- Marcos Nicolini
- Oct 16, 2022
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Algumas coisas preliminares preciso dizer que dizem respeito ao tema proposto. Vamos ver se consigo ser minimamente claro.
Iniciemos com o que penso sobre justificar, quando digo "justificativa moral". Estamos o tempo todo compondo e recompondo narrativas que tornem nossa existência significativa. Precisamos significar e ressignificar nossas experiências e fatos que nos afetam, tendo em vista uma suposta rede de equilíbrio interno. Diante de fatos novos e que colocam em crise nosso equilíbrio, devemos tecer novas narrativas que busquem recompor o equilíbrio, ou, ocultar a sujeita sob o tapete. Por falta de uma proposição inquestionável que me assegure certa certeza de que eu seja capaz de dizer "isto é uma verdade indubitável ", adoto uma crença plausível por meio de justificativas precárias e temporais, flexíveis. Em outros termos, tendo a dizer: por hora penso tal coisa, tomando como referência tais narrativas, mesmo sabendo que há inconsistências e incoerências, contudo estou disposto a rever meu ponto de vista se e quando um ponto de vista me favorecer tal situação. Justificativa seria a busca de um equilíbrio dinâmico e instável, precário, vulnerável, mas significativo de tal forma a não me deixar cair no fundamentalismo obtuso ou no progressismo niilista.
A segunda parte do termo é "moral" (presente em "justificativa moral"). Uma coisa interessante é não confundir a originalidade, digamos, a gênese lógica com suas construções posteriores, como faz Nietzsche ao confundir a moral, enquanto código consuetudinário, produzido nas e pelas relações históricas e horizontais de um grupo humano, com a moral produto do poder de um grupo sobre a sociedade, traduzida por instituições e códigos formais, garantida por agentes específicos. O que entendo aqui por moral é esta intenção primeira, este código espontâneo que rege a minha relação com meu intorno e que me faz relacionar com o outro de certo modo. A moral, assim pretendida (mores em latim, comportamento relacional), funda-se em valores e crenças, moral que é, grosso modo, o elemento factual, tangível, fenomenal da emergência destes valores e crenças.
Minha justificativa moral, então, tem a ver com narrativas, cujo sentido é o de me relacionar com certo estado de coisas que estão diante de mim, reagir a certos estímulos, tornar efetivo meus valores e crenças a partir de atos específicos. e que, supostamente e pretensamente. Minha justificativa moral traduz em palavras não apenas minha rede de crenças e valores, localizam e explicitam a mim, o eu que sou. O que está em jogo nesta explicitação não é minha "civilidade", nem minha "cidadania" espaço-temporal, mas meus valores maiores a que estas coisas secundárias devem se ajustar. Ou seja, minha instância política é, segundo minhas redes de crenças e valores, hierarquicamente subalterna a outras instâncias de meu ser. Como diria Santo Agostinho, minha cidadania à Cidade de Deus é mais grave que minha cidadania à caminho cidade dos homens. Com uma ressalva: a primeira cidadania é intangível, portanto exige maior cautela e postergação afirmativa: vivo-a como quem não a vive, como a quem a busca sem ter certeza material de me encontrar plenamente ali.
Tendo contextualizado minha justificativa moral posso dizer de como o VOTO NULO é posto em ação: sua gêneses.
Em 1989 houve campanha presidencial e no segundo turno restaram dois candidatos: Fernando Collor e Luis Inácio Lula da Silva. A disputa estava acirrada e eu sabia que no PT não votaria, como nunca o fiz. Mas o outro me parecia um engodo, uma farsa. As pesquisas não apontavam para nenhum candidato com vantagem expressiva. Então, apareceu em cena, como que do nada um problema de ordem privada, uma questão de conduta familiar do Lula que foi explorada. Está artimanha maliciosa tornou Collor presidente fazendo-o vencer as eleições daquele ano.
Esta artimanha me fez perceber o que é a política: o espaço do cálculo da tomada de poder, para o qual se usa qualquer meio, ao tratar a política como guerra de extermínio. Isto bastou para que eu justificasse moralmente a anulação de meu voto. A política como guerra e a ausência de qualquer ética, com o uso de qualquer arma para vencer o conflito extremo, ofereceu-me os elementos para justificar minha justificativa. Desde então, salvo duas excessões, voto nulo para todos os cargos.
Por que esta lembrança?
Percebo, melhor ainda, está claro para mim que a mesma imoralidade está em curso hoje. Digo, o mesmo princípio (archè em grego) imoral do cálculo sórdido de poder para lograr êxito na guerra política está em operação, apenas que elevado a uma potência tendente ao máximo. E imoralidade crescente e desmedida.
Não estamos diante de algo novo como as Fake News, mas da desmedida do cálculo do poder e o uso de todos e quaisquer meios visando a vitória política, com o uso de todos os recursos mais vis. O que vejo é a ultrapassagem crescente do horror. O extremo se torna banal e um novo nível de barbárie é buscado.
Agentes de todas as esferas da então República, das Mídias, da Sociedade, das Redes Sociais e das Religiões estão entrincheiradas e buscando a arma derradeira que colocará fim ao inimigo bestial. As mentiras se multiplicam e as injúrias se espelham. São partes iguais de uma moeda cuja realidade apenas se dá na existência de cara e coroa.
Homens e mulheres que antes eram, para mim, como ícones de expressão de valores, hoje são palhaço que pousam de homens de bem. Estamos como que numa guerra entre Hitler e Stálin, enquanto as elites e líderes religiosos ecoam falsidades e reproduzem mentiras. Satanás fala pela boca de pastores progressistas e conservadores, dividindo a Igreja. Como disse João: os anticristos saíram e saem de dentro da igreja.
Choro e lamento, enquanto anulo de minha rede de valores e crenças estes elementos bestiais e satânicos, os quais mentem e convocam a Igreja a novas cruzadas, jurando de morte os hereges.





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