Imaginum ergo sum
- Marcos Nicolini
- Oct 9, 2022
- 2 min read
Os mitos não contam a cosmogonia, contam a androgonia, o nascer imaginado pelo humano que pari o humano como o animal que brinca com as imagens. Os mitos são a música, a poesia, o acolhimento de um sei-lá-o-que que rompe com a gravidade de um existir preso na imanente materialidade inexpugnável. O mito é o tecido da fé que se entrelaça no incontável, no indizível, no que escapa aos limites do comunicável. Os mitos, estas tramas cheias de criação sem kronos e sem logos, que tem a sutileza de desfazer o nó górdio da prisão, sem o uso da violência da lâmina que fende, que segrega, que sangra, que elimina o espírito em Prozac.

A ciência não mata a cosmogonia, apenas lhe muda o nome. Não o faz nem como Derrida que pede uma desconstrução, nem como Rorty que apela para a resignificação. Faz ainda como Orwell, criando novas palavras que empacotam e escondem maliciosamente as velhas crenças intocados. Abandonamos a cosmogonia e adotamos a cosmologia. Em nome de Apólo e Prometeus fazem surgir o universo como uma máquina que funciona segundo rígidos modelos matemáticos: o universo se escreve em matemática.
A ciência persegue o mito, a criação, a imaginação, o escape de um mundo grave e intransponível, como Caim perseguiu Abel, mas este ressuscita como Lázaro. A ciência afunda a vida na materialidade imanente e monista. Francis Bacon estava certo, ainda que errasse, ao dizer que a ciência funda a política, a economia. A ciência é o fundamento de toda técnica, para quem tudo não passa de matéria-prima até que seja útil.
O mito escapa à utilidade, é inútil. Viva o modelável, o funcional, a certeza de operar como parte deste todo inescapável.



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