Hegel: Senhor e escravo
- Marcos Nicolini
- Aug 13, 2022
- 3 min read
O Conceito é o Real, o Racional, aquilo que é, o pensamento que se exterioriza, que não se fecha em si;
A materialidade é o si-mesmo sem consciência, desprovida de racionalidade, é a matéria disforme e vazia de ser;

O Conceito em sua relação com o material é tal qual o senhor na relação senhor-escravo, sua efetivação requer a materialidade do que é para si-mesmo, fechado em si em seu fazer;
O Conceito é extensivo ao outro, é sujeito diante do objeto, é poder estender-se no outro, é replicar-se no objeto;
O Conceito se extende no outro subssumindo-o, esta extensão podemos chamar de Poder;
A extensividade do Conceito sobre o outro material é o poder do Conceito em se apoderar do material para realizar o racional;
O material é fechado em si, um não-sujeito que tampouco tem consciência de sua objetivação diante do sujeito-Conceito;
O Conceito, tal qual o senhor, é livre em sua consciência de sujeito objetivante, que toma o outro como objeto sobre o qual expande a si na racionalização real;
A liberdade é a consciência de ser o que é, é ser por necessidade de uma racionalidade reflexiva e um dar-se contra à corrupção de um ser-não-ser;
A despeito da ortodoxia, entendo que o escravo é livre não para dizer sim ou não ao senhor e ao poder de assenhorar-se dele, mas para dar-se à consciência racional de que o Conceito há de se estender sobre si como um sujeito sobre um objeto e, portanto, ser libre para dizer sim à Razão do Conceito;
O escravo ao dizer "não", não o diz ao senhor, mas a si, negando-se ser, corrompe-se em não-ser;
Neste sentido, Hegel e Agostinho dão as mãos e nos diriam que a escolha do escravo ou é dizer sim a ser para o Conceito, sim à Racionalidade do Real, sim a si-mesmo como objeto do Sujeito-Conceito, ou não a si-mesmo e entregar-se à corrupção, retornar à materialidade sem consciência, sem ser;
O escravo é livre apenas para dizer sim à sua objetivação, ao senhorio do Conceito, à Racionalidade do Real, às necessárias correntes que o assujeitam ao Sujeito, como um Sócrates que se entrega à morte pois assim determinou a Razão de Estado (avant la lettre);
O escravo que diz não encontra a morte, não a sua morte biológica, mas a seu estado de ausência absoluta de racionalidade e consciência, tal qual uma matéria informe que se fecha em seu não-ser;
A liberdade está na entrega ao outro: o Conceito entrega ao material (o senhor entrega ao escravo), livremente, sua racionalidade (pura abertura), enquanto o material há de entregar ao Conceito sua efetividade, sua subsunção, sua objetividade.
Alguém que conhece Hegel que o leu e que leu Kojeve, Zizek, Chul-Han, etc. dirá: "mas isto não é Hegel!". Ao que replico: e daí? Isto é o Conceito em Hegel, a Racionalidade Real, e segundo Buck-Morss.
Mas, o que me intrigou na leitura de Hegel que estou a fazer a partir de Byung Chul-Han é sua compreensão da relação do poder em Hegel a partir da alimentação. Tentemos seguir esta leitura da relação sujeito e objeto no ato de alimentação:
1 - Comer é estender ao alimento a si mesmo: quando comemos estabelecemos uma unidade nossa com o alimento digerido;
2 - Não assassinamos o alimento, destruindo-o, mas realizamos o ser do alimento que encontra nesta absorção a si-mesmo: o ser do alimento é ser nosso alimento;
3 - O que era dois se tornam UM, ao desfazer a distância e diferença entre nós e o alimento que até então estava separado e distante: ruptura da contradição pela unidade;
4 - O alimento diz sim à sua objetividade ao se entregar a nós como alimento, nisto não há nem assassinato e nem destruição, mas realização da racionalidade do alimento em se subsumir ao sujeito que lhe confere o conceito-alimento;
Isto exemplifica em muito a relação senhor-escravo. Mas, separando-nos um tanto de Chul-Han, podemos ir além dele ao nos depararmos com as fezes.
5 - As fezes, diríamos seguindo Chul-Han, são o que não absorvemos dos alimentos nesta dialética, é o que sobra de nós, senhor-escravo;
6 - Nesta extensividade do Senhor no Escravo, este poder de ser-si-mesmo no outro subsumindo-o, nesta absorção do material na racionalidade do real há uma sobra, há o que resta, o qual nos enojamos e nos envergonhamos e que chamamos de fezes;
7 - Para a esquerda as fezes são os burgueses que são emparedados e assassinados, que são transportados aos campos de reeducação e de trabalhos forçados (eco dos campos nazistas, para quem o trabalho liberta); para a direita as fezes são os derrotados do sistema capitalista, os que não se integram, os que vivem às margens da riqueza e da prosperidade econômica



Comments