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Globalização x Nacionalismo

  • Marcos Nicolini
  • Feb 11, 2017
  • 4 min read

Após os anos 1970 e, aceleradamente, a partir dos anos 1980, dois movimentos atrelados se dão: o fluxo de capitais entre fronteiras nacionais e o enfraquecimento do Estado-nação.

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A democracia, o terceiro fator importante do século XX, já se fazia presente no Ocidente desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas, a partir de 1989, com a queda do muro de Berlin, os países sob o regime totalitário e tirânico, herdeiros do marx-stalinismo, viram-se diante da abertura política e da possibilidade democrática de fato. A democracia se torna praticamente hegemônica ao fim do século XX, com o concomitante movimento globalista (fluxo de capitais entre nações) e o enfraquecimento do Estado-nação.


A democracia (o reconhecimento das demandas populares), a economia global (o reconhecimento do poder das elites econômicas) e o Estado-nação (o espaço de ação das elites políticas) perfazem as três forças do Ocidente. Ao fim do século XX e primeira década do XXI, o globalismo e a democracia rivalizam-se como forças, enquanto os Estados se fragilizavam.


Os defensoras dos Estados compreenderam a perda de protagonismo central, no mesmo ritmo que a democracia percebeu que o motivo das elites políticas é o poder enquanto poder, o que implicou na evidenciação da distância entre o fazer político e as demandas da sociedade civil. Por outro lado, os democratas deram conta que o globalismo, ao buscar a maximização do retorno sobre o investimento, promove a fragilização do trabalho e eleva o risco de perda de renda, ao transferir capital para regiões de menor custo. No início do século XXI, mais intensamente, no início da segunda década deste século, a desigualdade de renda se torna obscena: a renda dos 0,7% mais ricos é, segundo relatório do Credit Suisse, cerca de 1800 vezes maior do que a renda dos 50% mais pobres. Enquanto a desigualdade de torna aviltante, fazer político se volta aos interesses privados, de indivíduos e grupos.


Os Estados não têm força política (uma vez que suas elites estão mais voltadas ao maquiavelismo político, qual seja, conquista e manutenção do poder, e não tem interesse em representar a sociedade civil e reconhecer suas demandas), enquanto os indivíduos se voltam para o exercício de suas liberdades e a conquista da autenticidade. Cada um destes três grupos se volta para interesses privados: poder político, maximização do retorno sobre o investimento e autenticidade, sem que as tensões provenientes deste autointeresse abra um via de diálogo no dissenso.


Se o poder econômico (globalista), atrelado à dinâmica democrática (os interesses individuais), solapou o poder do Estado-nação (centrado na soberania e no monismo: o poder sobre um território e um povo, a partir de leis, controles e polícia), o Estado-nação atrelado ao poder econômico se radica na fragmentação da sociedade civil. Os defensores do Estado-nação e os defensoras do globalismo e livre fluxo de capitais, agem no sentido da quebra dos laços afetivos horizontais: entre indivíduos. Enquanto isto, a democracia social hesita em perceber que o individualismo autointeressado suporta a ação daqueles que sobrevivem da fragmentação social.


Se a economia, segundo o ordenamento determinado pelo capitalismo burguês, se realiza a partir da individuação do “omo oeconomicus”, daquele indivíduo que age motivado por seu autointeresse e por cálculos que visam a maximização destes interesses privados, o Estado-nação também exige este átomo desprovido de vínculos horizontais. Não nos esqueçamos que tanto no Estado hobbesiano, quanto no Estado rousseauista, o todo se impõe sobre as partes, é anterior às partes e superior à soma dos interesses das partes. Não há o indivíduo fora do todo: o Estado como agente soberano da sociedade. O indivíduo é subsumido pelo Estado e sua liberdade está posta sob o poder de um soberano: em Hobbes é o commonwealth e em Rousseau é a Vontade Geral. Qualquer um que se oponha a este todo corre o risco de ser, legitimamente, eliminado pelo Estado. Em Rousseau, mais que em Hobbes, a resistência ao poder tirânico é crime passível de extermínio, do resistente. Vimos isto na Revolução Francesa, e nas Russas, Chinesas, Cubanas, etc. assim como no fascismo, no nazismo e nos golpes militares na América Latina.


A quebra dos vínculos horizontais pode ser entendida como a condição “sine qua non” tanto do Capitalismo, quanto do Estatismo, enquanto estes a preservação e reforço destes mesmos vínculos são a condição da democracia social. Os protagonistas do Estado e do Mercado atuarão em prol da fragmentação da sociedade, isto é, da quebra dos vínculos de solidariedade horizontal, enquanto tais vínculos solidários permitem a diversidade com reconhecimento recíprocos. Os pró-Mercado, globalistas, agem não só contra as relações de filia como de familiaridade, pois lhes interessa indivíduos atomizados que isoladamente buscam seus interesses, a despeito de classe, religião, família: uma nuvem de indivíduos sem vínculos sociais, horizontais, que lutam, desigualmente, competindo com seus pares, visando vender sua força de trabalho. Os pró-Estado, igualmente, agem contra as relações horizontais de filia e familiaridade, visando criar vínculos de dependência vertical: do indivíduo (fragmento de sociedade) com o poder do Estado. As identidades individuais ou são as provenientes de acúmulo de símbolos de diferenciação social, úteis à produção, ou são as classistas, ou comunitaristas, úteis ao Estado.


A democracia, por sua vez, se realiza quando uma sociedade plural e complexa se nega à fragmentação, ainda que se perceba diversa. A diversidade social se distingue da fragmentação social por conta das solidariedades horizontais, negando-se, assim, aos restritos e limitados vínculos verticais, hora com o poder soberano do Estado-nação, hora com o poder do Mercado Global. A democracia social, na qual os vínculos de solidariedade horizontal são possíveis, não nega o Estado e nem o Mercado, apenas não lhes confere poder soberano, antes, assume a tríplice tensão: sociedade-Estado, sociedade-Mercado, Estado-Mercado. A democracia coloca em plano de destaque os vínculos privados que tecem as solidariedades horizontais, quebrando as necessidades vinculativas do indivíduo, hora com o Estado, hora com o Mercado.


A fragmentação reforça os vínculos verticais, tanto aqueles que são estabelecidos entre indivíduos atomizados e o Estado, quanto os que são estabelecidos entre os “omo oeconomicus”, cada qual em busca da maximização de seus autointeresses próprios, no Mercado. A fragmentação cria e reforça a dependência do indivíduo para com o Estado ou o Mercado. A identidade individual hora é fornecida pelo Estado, hora pelo consumo de bens. O fundo metafísico que identifica cada indivíduo é sempre dado fora dele, isto é, a identidade ou é nacional, ou é dada pelo que o indivíduo pensa ser proprietário. Já a democracia social com vínculos horizontais permite o escambo identitário entre indivíduos.

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