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Darwinismo social: liberal sive progressista.

  • Marcos Nicolini
  • May 1, 2023
  • 5 min read

Do debate atual se diz que se dá em torno do tema da liberdade versus o da justiça. Proposição de debate que exigiria a clarificação, ou melhor, nos aproximarmos um pouco mais do que poderíamos entender por liberdade e por justiça, para então passarmos a verificar se há debate ou apenas mise em scene narrativo. Fazem errar os que induzem os que desconhecem que não se diz liberdade e nem justiça, mas liberdades e justiças, posto que tais palavras não mantém relação unívoca com apenas um conceito.



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Ainda em torno desta indução falaciosa, cabe lembrar que há muito já abandonamos a crença de que haveria algum meta-conceito que nos permitiria assentar à mesa diante dos contrários e dialogarmos civilizadamente sobre temas controversos a partir de conceitos firmados anteriormente, ou que se fixariam ou clarificariam a partir desta conversação e assim nos lançarmos para novos desafios temáticos. Já não mais há conceito, ou significado que não estejam submetidos às metamorfoses determinadas pelo ambiente e subjugados à desconstrução fundamental do agir humano. Das mesas fizemos um trono. Lembrando e parafraseando o escritor da Epístola aos Hebreus (Novo Testamento da Bíblia): tudo o que é firme se desmancha, ao que acrescentamos, e refazemos outra mobília.


Tendo em vista o ambiente, o lugar, a ecologia, lembramos que há de se fazer uma justa (nem ainda apontei às possibilidades frágeis do conceito de justiça e já faço uso da palavra) acusação ao liberalismo econômico, quando se diz dele ser fundado sobre o que se convencionou chamar de darwinismo social, apontando para o fato que este assume certa ecologia. Tal ecologia econômica é manifesta quando se aponta para o jogo de forças econômicas tendo como referência a lei social que parte da premissa que o predador tem o direito de se alimentar daqueles que estão mais abaixo na hierarquia de predação. Lembrando Nietzsche: “o lobo ama ovelhas, tanto que delas se nutre.” A liberdade própria deste darwinismo legitima e justifica o mais forte a impor sua lei, predatória, aos demais como necessidade de uma dada ecologia, isto é, de uma ordem social pautada na eficiência econômica, eficiência esta que se dá a partir da lógica do lobo.


Assumindo a possibilidade de que o darwinismo social esteja fortemente relacionado ao liberalismo econômico, poderia nos espantar a percepção de que também se faz presente na contraparte do debate, o que é por estes negado. O darwinismo social não seria a lei do outro, mas a ordem natural. Interessante perceber que a ecologização do discurso econômico e também do político pode se aplicar a ambientes não liberais. Poderíamos dizer que abandonando a liberdade individual, como ausência de constrição externa e como virtude inegociável, a ecologização também se aplica aos que apregoam a justiça como elemento fundamental, isto é, a justiça como distribuição dos bens tornados comuns. Se de um lado percebemos o darwinismo social posto em operação no jogo de forças que legitima a lei do mais forte (embora Darwin tenha pensado não na força, mas na aptidão), de outro lado podemos perceber o darwinismo social que se distancia e nega a hierarquização da predação, contudo toma referência nas mudanças ambientais e na adaptabilidade dos seres vivos ao ambiente mutante. Percebemos que o darwinismo social que estava ligado à lei da predação (à justiça retributiva: a cada um a sua parte, isto é, cada indivíduo livre há de receber segundo sua ação nesta cadeia de ações, nesta hierarquia cujo ápice é ocupado pelo predador mais forte), passa a operar num ambiente que se transmuta para a justiça distributiva, onde, pretensamente, todos igualmente estariam submetidos a uma mesma necessidade ecológica: mudar para adaptar-se a um ambiente em mutação progressiva, ou, a mutação como progresso. Neste caso, os que não se adaptarem ao novo ambiente sempre novo, os não adaptados são extintos na justa selva equalitária.


Destacadamente em ambientes (a totalidade exterior a cada indivíduo) nos quais há profundas mudanças (lembrando, contudo, que tais são promovidas por um dos viventes, aqui fazendo referência ao antropoceno) o que se deve buscar é a aptidão dos que habitam esta nova ecologia em se adaptarem às mudanças externas. Cabe ressaltar que falamos daqueles que são mais adaptáveis aos ambientes mutáveis, portanto, dos que se adaptam ao todo que os condiciona. Tal qual ouvi certa vez: os sobreviventes são aqueles cuja mutabilidade intrínseca é superior às mudanças externas, aqueles cuja potência metamorfosiológica seria superior às mudanças que ocorrem no meio ambiente.


Desta maneira verificamos duas leituras naturalistas, ambas que tomam referência um pseudo-darwinismo: a primeira assumindo a lei do mais forte (quando se devia tratar do mais apto), e a outra a lei do mais apto, embora submetida ao antropoceno. É o antropoceno que torna o segundo darwinismo social num pseudo-darwinismo.


Somos indivíduos, partes que habitam o antropoceno, como sugerido acima. Antropoceno, o período da história onde as mudanças não se dão mais por conta de meteoros, eras glaciais e climas, bactérias, explosões solares, raios cósmicos, vulcões e movimentações tectônicas, etc., mas pelas ações dos humanos, as quais alterariam, ou alteram radicalmente as condições prévias sobre as quais a vida no planeta se processa.


O todo progressivamente mutante não é o ecossistema no qual o humano está inserido e que o excede; o todo é o excedente que transcende as partes existentes e que produz mudanças e a impõe às partes outras, as quais ou se submetem a esta lei, ou são extintas. O todo é o humano-sobre-humanizado que legisla e impõe sua lei às partes, mas que a elas não está submetido. O darwinismo social antropocênico radica-se na lei da sobre-humanidade, a saber, o legislador da justa ordem social que sabe o que é o Bem, o Justo, o Belo e o Verdadeiro, o qual impõe a sua lei como a necessidade do todo sobre cada uma das partes, ainda que o legislador seja a parte transcendente e excessiva. O legislador está sempre na ordem do estado de exceção.


Ademais, podemos dizer que no antropoceno as mudanças sociais, na ecologia humana, não são movimentos naturais resultantes de forças incontroláveis (o que implica dizer em não conhecidas ainda) que excedem o humano. O antropoceno é artificial, tecnológico, é engenharia social. O antropoceno não é uma ação do humano sobre a natureza sub-naturalizando-a, mas uma ação sobre o humano que é naturalizado como um dado na natureza. O humano é uma parte entre as partes que compõem a natureza, enquanto o todo é a sobrenaturalização do sobre-humano que age neste conjunto submetido à totalidade ordenativa.


O todo não é a soma das partes mais o excedente que lhe confere significado, sentido e ordem; o todo é o excedente que legisla sobre a soma das partes ditando-lhes a lei: o todo é o legislador. O legislador diz: não há partes sem o todo e o todo diz a cada parte se tal tem legítima de existência. A existência está subsumida à adaptabilidade da parte à lei, a necessidade imposta pelo todo. A totalidade impõe a necessidade de mudanças e extingue os ineptos: tanto não tem as competências adaptativas para a nova ecologia e, sobretudo, se recusa a adaptação.


Assim, ambos os darwinismos sociais partem da liberdade como ausência de coação externa sobre o mais forte, mutatis mutandis, o legislador; ambos os darwinismos sociais ordenam o que chama de todo, enquanto são sub-partes, impondo sua lei como necessidade; tal lei exige adaptabilidade das partes indistintas, contudo hierarquizadas, ao ordenamento necessário; os ineptos (os que não têm competências e os que se recusarem à adaptação), serão excluídos da ecologia, isto é, sofrerão as consequências da extinção forçada pelo antropoceno.


A diferença dos dois modelos é de ordem filosófica: quem vem primeiro, a práxis ou o pensamento? A economia ou a política? As ciências econômicas ou as ciências sociais? Os ricos ou os intelectuais? A política econômica ou a teologia política? Quem tem a primazia e a competência originária de impor sua lei?

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