Adieu la démocratie
- Marcos Nicolini
- Aug 20, 2023
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Vez ou outra ainda me lembro de Jean Baudrillard. Seu pós-modernismo niilista (redundância) desenvolvido, ou implodido a partir do aforismo que Nietzsche colocou em Gaia Ciência, quando fala da suposta morte do deus metafísico dos filósofos, ao dizer (paráfrase minha): agora já não mais sabemos se subimos ou se descemos.

O que está por traz disto (se é que podemos dizer que aja algo oculto nas palavras de Nietzsche) é que com a perda do referencial mestre, o deus dos filósofos, não haveria pontos fixos e referências absolutas a não ser a vontade de potência, a política como violência.
Como eco a este relativismo, Baudrillard nos fala, em algum momento, que a busca veemente em defesa de uma causa já é o sintoma de seu desaparecimento. Exemplarmente, poderíamos dizer que a defesa da existência de deus já é o sintoma de sua inexistência.
Podemos dizer, ainda mais, que a identificação de alguém com um certo valor negativo se torna prenúncio e sintoma de que este valor negativo menos se verifica naquele que sofre a acusação de representante e mais implica que o acusador seja o representante mais expressivo deste valor negativo.
A democracia está sob ataque! O outro é o inferno, ou seja, o mal radical. Assim reza a cartilha difundida pela mídia em conluio com os Ministros (em especial aquele super-ministro) e também com os ativistas políticos, personas cuja máscara são os diplomas de doutorado, pós-doutorado e livre-docência: o clero iluminista e agentes de pseudo-ciência.
Antes de dar um passo adiante, pretendo dar alguns para trás. Lembro-me das aulas sobre a Política de Platão. Em algum momento deste diálogo, Sócrates vai tomar referência no movimento do cosmos (dos astros nos céus) e que, segundo a ciência da época, se fazia em arranjos de movimentos circulares e uniformes. Assim, o movimento ideal é revolucionário, aquele a partir do qual tudo retornaria a seu lugar de origem: toda mudança já tem o sentido do retorno ao igual. Mas enquanto não há esta revolução, este movimento completo de retorno a lugar de origem, na política um arranjo político sucede a outro, de tal modo que à democracia sucederia a tirania.
O tirano, para Sócrates neste diálogo, seria aquele que conclamado pelo “demos” (povo) livra-o da oligarquia (a qual é uma forma de aristocracia pervertida). Mas depois de realizar esta libertação, passa a exercer um poder tirânico. Como diria Nietzsche, outra vez, antes de melhorar há de piorar muito.
Aqui podemos retornar (sem revoluções) ao que nos espantou: “o super-ministro”, aquele que disse em seu coração “sou o poder soberano”, determinou uma agenda nacional, fundada em seu poder absoluto de legislar, julgar, acusar, investigar e prender. Exauriu a República (com seus pesos e contrapesos, seus três poderes em equilíbrio). Sua agenda que é imposta a todos como se fosse agenda nacional, agora, responde sob o slogan de “democracia defensiva”. A Vontade Geral, para este iluminado, torna-se a defesa da democracia pela via da guerra. Como nos fala Carl Von Clausewitz, o melhor ataque é a defesa. O estado de guerra legitima o estado de exceção e o decisionismo como ação política.
Mas, a partir desta determinação soberana emergem algumas questões: Defender a democracia a pedido de quem? Defende-a de quem? Quais métodos, recursos e ações serão articulados para esta defesa? Qual democracia estamos falando? Democracia Liberal ou aquela da RDG? Respondendo e reforçando a quais interesses? Constituindo quais instituições? Quem disse que ele foi alçado pelo povo como paladino da salvação, de quem se espera a defesa do que é, por premissa, de todos? (democracia: demos pode ser traduzido por povo e cratos por poder, o poder do povo, ou o poder de muitos). Muito mais se poderia perguntar...
Mas se as questões se ativessem a apenas estas, o início da conversa seria dado. Mas, a questão mais premente advém das impossibilidades pós-modernas, a saber:
1º, a falsa defesa da democracia já é um sintoma de que a democracia brasileira já não há. A destruição desta democracia foi iniciada em 2003, ratificada em 2016, acelerada em 2019, acabada em 2022, cuja extenção de dá até hoje e em diante. Já não mais vivemos em um Regime Democrático e nem em Estado de Direito garantido pela Constituição, mas numa tirania cujo poder soberano tirânico é exercido pelo Supremo Ministro.
2º, que a subversão da ordem constitucional em nome da defesa da Razão de Estado realizou um trânsito da democracia liberal para a política como decisionismo, e para tal, o poder soberano, aquele que detém o poder da decisão, elegeu um inimigo que, a partir dele, se possa produzir uma comunidade incivilizada. Aquele que apregoa o ataque às instituições democráticas é idêntico ao que realiza mais veementemente tais ataques a tais instituições e o faz de modo violento e sistemático.
Diante do mal radical cabe ao demos retomar o poder, segundo a Constituição, e colocar o tirano em seu lugar de direito: destituído de poder e em ostracismo político. Afastá-lo da possibilidade de conduzir o país ou ao caos social, ou a um regime de supressão de toda liberdade. Enquanto os demais poderes se calam e os meios de informação e conhecimento se alinham ao projeto totalitário, cabe ao que resta o resto de dignidade política.



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