A metáfora do horizonte do evento do fim
- Marcos Nicolini
- Sep 23, 2023
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No momento atual a melhor metáfora para descrevê-lo ainda me parece ser o do buraco negro, à qual sou recorrente. Este corpo-anticorpo cósmico cuja relação massa/volume tende a um valor tão elevado que impede até mesmo a luz de lá escapar, o que lhe confere este misterioso nome de buraco negro. Poderíamos chamá-lo, vulgarmente, de espaço de irreflexão ou espaço de não escape, ou ainda de vazio espacial, melhor ainda: vazio ôntico, apelando para a metafísica apofática. Um lugar de onde todos os corpos que dele se aproximam em demasia não conseguem mais escapar.

Apenas como diversão lembramos (de fato obtivemos esta fórmula no site: https://www.institutoclaro.org.br/educacao/para-ensinar/planos-de-aula/velocidade-de-escape/) a fórmula que nos permitiria calcular a velocidade de escape. Sabendo que a velocidade de escape é aquela que um corpo qualquer (um foguete, uma partícula, um photon, um asteróide, uma bala de canhão, um animal que salta, etc.) tem que ter para conseguir escapar da atração gravitacional de um Corpo Celeste Massivo (Terra, Lua, Sol, um planeta qualquer, uma estrele, um buraco negro, etc.). Poderíamos dizer que é a velocidade mínima que um foguete lançado da Terra terá que alcançar a fim de conseguir, vencendo a força gravitacional, ir ao espaço. Assim, temos o modelo matemático que nos permite calcular a velocidade de escape (V.esc.):

Tomando os exemplos apresentados pelo site acima citado, destacamos que a velocidade de escape será:
Terra = 11,2 km/seg = 40.320 Km/hora
Lua = 2,4 km/seg = 8.640 km/hora
Sol = 617,3 km/seg = 31.104.000 km/hora
Lembrando que a Massa do Sol é algo em torno de 1,98892 x 10ˆ30, calculemos a velocidade que um objeto qualquer deva alcançar a fim de queira escapar de um buraco negro de 10 vezes a Massa do Sol e um raio de 25 km (25.000 m). Então:

Lembrando que c (velocidade da luz, limite máximo da velocidade possível) é de 299.792.458 m/seg., ou seja, inferior à velocidade calculada para este corpo que desejaria escapar deste buraco negro. Por isso chamamos de buraco negro a este corpo cuja relação M/R é tal que nem mesmo a luz consegue dele escapar.
Isto quer dizer que um objeto qualquer (um foguete, um asteroide, um planeta, uma estrela, um elétron, um photon, etc.) ao chegar a 25 km ou menos deste buraco negro, então, não mais conseguirá sair deste (não)espaço, deste lugar-não-lugar onde as leis da física não são passíveis de serem conhecidas. Não são conhecíveis, primeiramente, pois não há a possibilidade de observação dos fenômenos além de um dado limite, uma vez que a luz não escapando dali não se permite ver o que ocorre naquele (não)lugar.
Devemos destacar, em segundo lugar, que as leis da física que modelam o mundo observável não respondem às questões que são levantadas pelos buracos negros, como por exemplo: como uma massa tão grande pode se concentrar em um espaço tão pequeno? Os modelos que se aplicam ao mundo observável não oferecem respostas às questões que emergem quando os cientistas de deparam com este lugar especial. Este lugar-não-lugar tornam os modelos inaplicáveis, forçam uma descontinuidade do universo no interior do universo. Rompem com a possibilidade de descrição de fenômenos, inobserváveis e produção de modelos explicativos e preditivos.
Tomemos o exemplo acima, de um buraco negro de 25 km de raio e massa de 10 x a Massa Solar, cuja velocidade de escape calculada foi de mais de 325.879.103,42 m/seg, e perguntemos qual a distância mínima (desde o centro do buraco negro) que a luz deve se distanciar para não ser tragada por ele? Lembrando que a velocidade da luz é de 299.792.459 m/seg. Se tomarmos novamente o modelo matemático para cálculo de velocidade de apresentado acima e considerarmos:

Esta é a distância desde o centro do buraco negro a partir da qual nem mesmo a luz escaparia e a partir do qual os modelos da física já não mais respondem às questões impostas por este não-espaço-tempo. O vazio de conhecimento, o nada ontológico e epistemológico impera a partir deste horizonte de eventos, esta distância de inescapabilidade. Até aqui podemos chamar de o Império do Niilismo. O Império do Niilismo, cujo portal é o horizonte de eventos, é o não-espaço onde a singularidade é soberana, em que o conhecimento prévio já não mais serve como modelo para descrever e prever fenômenos. Singularidade é o nome que se dá a partir do ponto marcado pelo horizonte de eventos, cujos modelos da física ali não se aplicam.
Antes, contudo, de um corpo passar pelo horizonte de eventos e se mover em direção do não-espaço-tempo, uma série de eventos ocorrem, ainda sob a égide dos modelos que a física reconhece. Destaquemos dois:
Primeiramente destacamos que um corpo extenso quanto mais se aproxima do buraco negro mais a ação da gravidade ao longo de corpo será diferenciada. Isto é, a força gravitacional exercida pelo buraco negro será mais intensa na parte do corpo que mais próximo estiver do buraco negro e menos intensa no que estiver mais distante. Este gradiente gravitacional (esta diferença da força da gravidade) ao longo do corpo, produz algo que os cientistas chamam de espaguetização: o corpo é esticado e comprimido (como se formasse num espaguete). O que de fato deve acontecer é a fragmentação cada vez maior do corpo em partículas cada vez mais infinitesimais. Podemos antever este fenômeno de fragmentação por conta da gravidade em rochas que caem do espaço na Terra, estilhaçando-se em uma “chuva de meteoros”.
O segundo destaque é sobre o tempo. Quanto mais próximo o corpo está do buraco negro e mais as forças gravitacionais se intensificam, mais o tempo “escoa” mais vagarosamente. Enquanto um observador externo, o qual observa o corpo cair no buraco negro, percebe o movimento de queda como um fluir previsível segundo os modelos, podendo observar o corpo caindo no buraco negro em, digamos, um período de tempo T, para o corpo que cai o tempo passa de modo cada vez mais lento, até não passar mais, o que implica num paradoxo: enquanto o observador externo vê o corpo entrar horizonte de eventos e desaparecer, para o corpo que cai este momento de passagem pelo horizonte de eventos nunca ocorrerá. Todo tempo será, vulgarmente falando, tempo presente. Como a luz, que para nós se move na velocidade máxima possível, para ela (teoricamente falando) todo tempo é presente e todo espaço é o mesmo lugar.
Assim, podemos reduzir esta metáfora a três elementos: da singularidade, da fragmentação e da ausência de referenciais. A singularidade, por sua vez, está marcada pelo ponto de ruptura (horizonte de eventos) a partir do qual não se retorna e descontinuidade do conhecimento: a partir do horizonte de eventos o conhecimento anterior já não mais dá conta do mundo ao que se adentra. A fragmentação, por sua vez, nos fala da perda de unidade, a fragmentação de si e a dissolução do indivíduo num todo absoluto e indiferenciável. E, por último (mas não finalizando), ao ultrapassar o horizonte de eventos, “adentra-se” num não-espaço atemporal, num não-lugar onde não há corpos, tempo e luz, apenas o vazio. Neste não-lugar atemporal um suposto observador externo viria corpos em movimento cada vez mais intenso, enquanto, o que de fato ocorreria, é a ausência de movimento cada vez mais ampliado.
No entanto, este cenário metafórico-real se agrava (a gravidade se torna crescente tal qual quando se aproxima de um corpo hipermassivo) pelo fato de não haver um observador externo. Movemo-nos em velocidades cada vez mais exacerbadas, em espaços cada vez mais infinitesimais e sempre num presente contínuo. Lembrando Benedito Nunes, o tempo do niilismo se deu quando ainda podíamos olhar o buraco negro à certa distância e ainda havia energia para escape. Consumimos nossas energias e nos aproximamos do horizonte de eventos, do ponto de não-retorno. Antevemos um mundo não mais fragmentado e fragmentário, de um presente contínuo. Mas um mundo sem corpos e sem tempo e sem luz.
Entregues a uma materialidade de cuja imanência monista não mais sabemos escapar, precipitamo-nos no ponto negro e final de nossa jornada suicida.



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