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Um homem de pés sujos e mãos cheirando sabonete

  • Marcos Nicolini
  • Sep 23, 2020
  • 13 min read

(Carlos Bregantim: Bacia, Água e Toalha)

Antes de mais, devo uma explicação. Quando estava a receber este livro conversei com o autor e lhe disse que seria uma leitura passiva, acrítica, silenciosa, sem contrapontos ou falas. Apenas uma audição reverente e sincera. A evidência deste texto que hora me dou à escrita desmente a promessa. Espero que este gesto não me cause descrédito adicional e nem trinque este cristal tênue e transparente da amizade.

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Tal promessa foi reforçada, digo de passagem, quando li o prefácio. Entendo mesmo que o prefácio me descaminhou, sem com isso onerar aquele que o escreveu. De início o proponente coloca sua inquietude: “espero que o texto não trate de assuntos teológicos áridos, distantes da realidade.” E continua sinalizando para um encontro com uma espiritualidade leve e com os “pés no chão”, como diria Bregantim, “da vida”. Ficaremos, entretanto, com a certeza que a aridez e a distância é devida não ao tema, mas à escrita.

Aqui, por certo, estaremos de fronte com a certeza de que neste texto a intensão do escritor descansa sobre a leveza de uma espiritualidade vivida na proximidade do cotidiano, contudo, não desprovidos de apoio em uma dada “teologia”. As aspas aqui não se referem à teologia adotada pelo autor, mas aponta para o escasso conhecimento teológico do leitor que foi afetado pelo texto. Ciente da limitação, ainda assim se arroga a ler como quem dialoga, dialeta.

Cabe ressaltar que encontramos em outros momentos da literatura, cito em especial Maister Eckhart, místico alemão do século XIII, como texto legado, uma transcrição de sermões, cujo trabalho se deve a um de seus ouvintes. Em Bacia, Água e Toalha estão transcritos três sermões de Bregantim, aos que se somam um quarto sermão, o da montanha proferido por Jesus Cristo, segundo o evangelho de Mateus. Os três sermões nos lembram de três momentos de Jesus com seus discípulos. O primeiro trata das bem-aventuranças, o segundo rememora a transfiguração no monte e o terceiro nos coloca diante do lava-pés. Dois elementos unem os sermões, o primeiro é certo movimento descensional: o sermão no alto da montanha, o sermão dos que descem e o sermão dos que estão no chão da vida. O sermão da água pura, o sermão da água que fui e o sermão da água que lava. Vamos caminhar com o autor.

Se de um lado a topografia do discurso nos convida a um movimento de descida, como se acompanhássemos o movimento de um rio que desce ziguezagueante pela encosta da montanha até que venha a se dar aos sujos e sedentos, por outro lado, o mesmo discurso busca seus fundamentos teológicos, aqueles que suportarão uma determinada ação. Assim, encontramo-nos com o segundo elemento, o brotar de dentro que se mostra num afora. Dois elementos se conjugam: do alto ao baixo, do fundamento à ação. É neste sentido que encontro aqui a teologia do autor-pregador, cuja leveza estaria no fluxo suave das águas, as quais brotam e descem. Buscar o fundamento é ir ao encontro de uma imagem que há de se assemelhar a Deus, parecer com Deus.

No primeiro sermão as águas brotam do sermão da montanha, no mais alto do monte se ouve a voz de Jesus que diz: “bem-aventurado...”. Estaremos, então, diante da tradução proposta para “bem-aventurado”, como “feliz”, mesmo que a definição de felicidade não seja buscada: a felicidade é diversa. Como se Jesus dissesse: “feliz aquele que...”. Fica para o leitor o desafio de achar sua definição para a felicidade. Antes, uma definição de bem-aventurança que seja acolhida pelo leitor e encontre respaldo na vida de Jesus.

O perigo imediato em adotar uma tradução de bem-aventurado como felicidade é escorregar no lodo de um hedonismo vulgar e barato, próprio de nosso tempo, daqueles que buscam a felicidade como emoção bioquímica por qualquer via. Por certo que dizer “feliz aquele que...” no tempo atual, permite um certo diálogo com aqueles que estarão titubeantes quanto ao ouvir Jesus. Contudo, dizer “feliz aquele que...” pode vir a trazer consigo o prazer imediato por via de um jogo de sensações. Não é o caso, repito, do texto em questão.

O autor não se deixa levar por este descaminho, mas propõe um movimento de interioridade, próprio da teologia mística medieval. A felicidade, sem definição, afasta-se do hedonismo vulgar e é lançada num silêncio conceitual. A felicidade não apenas não está no campo do ter e do sensível, do apropriado e do corpo, como deve ser buscada na interioridade: certa mística da felicidade. O fundamento da felicidade não está na relva húmida, mas na fonte, no lugar onde a água brota. A interioridade é uma busca que ao final tem como promessa o reencontrar-se. Felicidade é um certo reencontro, no qual se encontra a si mesmo e nesta busca de si em si, desprende-se das amarras do ter, do possuir, do apropriar-se. A felicidade estaria em voltar-se para si a desprender-se do que está fora de si.

Confesso que tenho alguma dificuldade em adotar a via mística da interioridade, sem, contudo, negá-la por completo. Para justificar este estranhamento devo tomar uma via árida e espinhosa, ainda que não teológica. Para tanto rememoro fatos originais. Um dos embates que se deu nos primórdios da teologia cristã foi em torno das duas naturezas de Jesus Cristo: homem e Deus. Confrontou-se, ali, com crenças gnósticas, muitas das quais via no corpo o mal e na razão o bem: o intangível incorruptível e o tangível temporal. Alguns destes gnósticos, a fim de se permitirem pensar em Jesus Cristo, lançaram mão de um elaborado sistema de ideias, no qual Cristo como que incorporasse Jesus, um puro espírito que tomasse temporariamente um corpo vazio e sem alma. Um Cristo como que desencarnado (pura imaterialidade eterna: Logos) e um corpo sem espírito, uma alma que habitasse num corpo desalmado, grosso modo. Crenças gnósticas como esta foram abandonadas pelos cristão como base de sua ortodoxia.

De outro lado nos encontramos com crenças estoicas, de viés materialista, isto é, a existência real é a material. Em certo sentido estaríamos diante, apenas, do Jesus histórico. Este caminho também foi refutado. Outra alternativa seria o neoplatonismo, este que está presente de algum modo em Agostinho, Eckhart e também em Bregantim. Muito bem acompanhado, por sinal.

O neoplatonismo é entendido como o desenvolvimento das ideias de Platão (mais de 5 séculos depois de sua morte) e que se renovam naqueles primeiros séculos da era cristã. Em linhas gerais (e de maneira grosseira) podemos dizer que o neoplatonismo toma toda matéria, o sensível, como sujeita ao tempo, à corrupção, à passagem, enquanto que a verdade, o bem, a justiça e o belo está (singularizado pois perfazem uma unidade indissolúvel) na eternidade, no imaterial, no que não sofre mudança. Conhecer verdadeiramente é conhecer o que permanece, o imaterial, o eterno, etc. A sabedoria está num contemplar o que se é, uma busca na intimidade mais íntima do ser. O caminho da salvação seria uma busca de si, é anamnesi, é recordar o que se é: como se o ser tivesse saudades de onde veio, mas se contaminou pelo material, pelo corpo, que o inibe de ver a verdade.

Ao lermos os sermões alemães de Maister Eckhart podemos perceber este desprendimento de tudo que é passível de corrupção. Quando se faz esta busca interior, este desprendimento de tudo que está no tempo e no espaço, chega-se a perfeita identidade de si com Deus. Para se perceber a implicação deste voltar-se ao interior, à busca do ser, lembramos que, segundo os místicos, Deus não é a humildade, nem a misericórdia, nem a bondade, etc. Isto é, Deus não se identifica com tais atributos. Todas estas coisas, assim como a vida, provêm de Deus, mas não se confundem com Deus. Ao fim, como diz Eckhart: “Deus é nada”. Nada, não no sentido zen budista, no sentido de um nada radical, mas no sentido que qualquer atributo que se diga como divino, não define Deus, mas aponta para o manifestar de Deus. Deus não se identifica ao bem, mas é o criador do bem, assim como da justiça, da verdade, da beleza, da sabedoria. Estas coisas provêm de Deus.

O movimento proposto pelo neoplatonismo cristianizado é aquele que diz: busque a verdade interna que está em você, ou seja, a sua identidade com Deus, e, de então, aja no mundo. Buscar a via mística da interioridade é ir ao encontro do Deus que há no meu mais íntimo, como já o disse Agostinho. O retorno da alma a Deus é um mergulhar no mais íntimo da intimidade: a salvação é intimidade. Quando o indivíduo encontra sua identidade, ou seja, quando pode dizer “eu sou”, pode, então ir ao socorro dos outros. Mais ou menos a ideia que se extrai do mito platônico da caverna: o homem sai da caverna, vê a luz que lhe permite ver a si mesmo, e pode, então, retornar à caverna para libertar os cativos.

No neoplatonismo a dicotomia, da maneira com que os gnósticos propõem, é nuançada, mas permanecem os polos verdadeiro x falso, real x ficção, razão x corpo, intelegível x sensível, profundo x raso, eterno x temporal, etc. Esta dicotomia pode levar o cristão-neoplatônico a se afastar do mundo (o que se verifica na vida de Agostinho), lugar da corrupção e da mudança, a fim de reconhecer a si mesmo. O cristão deve voltar-se ao eterno, imutável, o qual está em si, oculto pela tirania do sensível, do ter. A felicidade está em dar as costas para o mundo e lavar-se no rio do conhecimento. O neoplatônico se difere do gnóstico tendo em vista que para estes a carne, a matéria é o mal, é destinada a perecer, a passar, enquanto que para aqueles há uma salvação num processo de retirada das impurezas da alma, um lavar-se que permite que o ser seja e este processo se dá no tempo, com o corpo. Ainda que o corpo possa ser a prisão da alma, as cadeias do tempo não podem reter ao que se volta à contemplação do ser.

Mas, quando nos deparamos com o embate em torno das duas naturezas de Jesus Cristo, parece-nos que o agnosticismo, o estoicismo e o neoplatonismo são movimentos que tomam como loucura o Deus que se fez carne: Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho...(aqui podemos, por certo, encontrar soluções neoplatônicas para este dito, mas são soluções dificultosas). Os embates sobre as duas naturezas de Jesus Cristo que levaram mais de um século no início do cristianismo, encontram concórdia (ainda que hipostática, ou, de equilíbrio frágil) em torno da impossibilidade de separá-las: Jesus Cristo é totalmente homem e totalmente Deus. Não há como vir a conhece-lo a não ser homem e Deus. Não há em Jesus Cristo nenhuma interioridade que não esteja implicada em uma exterioridade. No cristianismo não se chega a Jesus apenas como homem histórico, tampouco como Cristo, o Logos. É o Logos que se fez carne é a carne que manifesta o Logos. A experiência cristã não é gnóstica, nem estoica, nem neoplatônica e nem zen budista. Jesus Cristo é caminho e ponte entre Deus e os humanos exatamente por ter as duas naturezas. O ser de Jesus Cristo é ser Jesus Cristo.

Um segundo ponto que torna, para mim, o pensar num caminho de interioridade mística um problema é que para os neoplatônicos não há descontinuidade entre o UM (o Deus Pai cristão), o Logos (o Deus Filho cristão) e o Cosmos animado, isto é, a Alma do Mundo (não há Alma do Mundo no cristianismo). Isto é, há uma dicotomia entre espirito e corpo, mas uma unidade “espiritual” que vai de Deus ao homem e do homem aos elementos materiais do cosmos (terra, água, ar e fogo, e daí à matéria-prima). Tais coisas formam uma cadeia contínua: Cadeia do Ser ao não ser. Entretanto, para o cristianismo Deus é o totalmente outro, Ele transcende sua criação. Não há continuidade entre Criador e criatura. Desta maneira, a interioridade não me levaria a Deus, antes, pode me levar a uma experiência narcisista: um mergulho numa imagem vazia de sentido; ou, como na experiência zen budista, a um vazio radical, ao nada, a um esvaziamento da vontade, ao não ser.

Oposto a este movimento autocontemplativo identitário, o cristianismo é, antes de tudo, renascimento e adoção. A Graça, como providência divina, transporta-me de um império da morte para o Reino da vida. A experiência cristã não se dá por continuidade e nem por contiguidade, mas por ruptura, descontinuidade, metanóia. O movimento do Cristo é, pelo contrário, um movimento de exterioridade: olho para fora, para o espelho da alteridade e vejo a Cristo na face do outro.

O terceiro desconforto com esta opção teológica é que se enfatizou a felicidade. O caminhar motivado pela e para a felicidade sem que se possa dizer o que é isto. Se eu volto para a interioridade em vista da felicidade, então fundo meu movimento, em certo sentido, ao meu prazer: isto nos aproxima do hedoismo. Novamente dizemos: nem de longe o autor cogitou tal possibilidade, mas o hedonismo, como possibilidade de uma felicidade, está dado como ponto de fuga, horizonte de possibilidade. Mas, acompanhando o sermão, entendo que devo correr para dentro de mim em busca do meu verdadeiro ser e neste movimento espero ser feliz, ou melhor, encontrar a felicidade no encontro com minha verdadeira identidade, ao encontrar Deus.

Devo dizer duas coisas: primeiro, concordando plenamente com todo texto, todo discurso de Bregantim, ressoando o espírito de seu sermão, a felicidade não é este êxtase bio-químico de uma explosão prazerosa. Dialogando com seu sermão, posso dizer que a bem-aventurança se dá no encontrar o motivo, o significado, o sentido para a existência. Contudo, algo além disto. Mas, haveremos de perceber que o sentido da existência não está no indivíduo, mas numa relação de vulnerabilidade, de precariedade. Segundo, a bem-aventurança é um sair de si sem deixar-se. É ir ao encontro do outro, sem abandonar-se. É encontrar no encontro aquilo que vale a pena ser vivido. Bem-aventurança é pagar amorosamente o preço de uma escolha ao ter consciência de não se bastar. Enfim... conforme diz Bregantim: bem-aventurança é indefinível.

Voltamo-nos às palavras no alto da montanha: “bem-aventurado os pobres/humildes de espírito...”. A pobreza é a carência de recursos, a vulnerabilidade, a precariedade, é a consciência de que não se pode realizar o que se há de realizar sem que tal realização não se dê a não ser acompanhada da humildade em dizer: eu careço da ajuda exterior. Ao espírito humilde contrapõe-se o arrogante, o auto-suficiente, o autônomo, o soberbo. O trânsito desde o Império ao Reino não se dá por esforço próprio, mas por humildade, por pobreza de espírito. O reino se abre à consciência da finitude, da limitação, da impossibilidade, etc. As portas do reino se abrem quando dizemos: não sou capaz sozinho. O reino é plural e além do indivíduo. Há de se asseverar que a humildade não é subserviência, mas consciência de uma carência, de uma ausência de recursos internos, atrelada à confiança de quem expõe sua vida nas mãos alheias. A humildade é a doação amorosa de si a quem se dá crédito.

Assim podemos dar o próximo passo: “bem-aventurados os que choram...”. Neste ponto me conecto fortemente ao sermão de Bregantim. Chorar por sua consciência de pobreza, chorar pelos que sofrem e não encontram recursos para suplantar a dor, chorar pela criação de sofre de dores de parto na expectativa alheia. Ser sensível à dor, ser consolável, consolar com a mesma consolação com que fomos consolados (como diz Paulo). Maravilhosas palavras do pregador: “benditos são aqueles cujos olhos não secaram.” (pg. 27) Chorar, pois a causa da dor, aquela que não é passível de ser compreendida, estancada. Chorar não apenas a minha dor e minha ignorância, mas a dos que choram por uma dor imensa e incurável, e que reconhecem a sua pobreza humildemente. Chorar uma humanidade que diz: nós mesmos resolveremos isto, quando mentem para si mesmos. Chorar a prepotência do orgulhoso que imagina saber dar conta de seus impasses e crises, sem o auxílio do outro.

À ignorância que me faz chorar se alinha à minha capacidade de ouvir, aprender, mudar, ser ensinável: “bem-aventurado os mansos...”. Mansidão diante da necessidade de aprender, a consciência do peso do esforço sobre-humano. Como nos ensina Bregantim: “olhar para a vida e saber quanto ela custa, quanto ela tem e a dor que ela produz, mas diante dela não se revoltam, não se rebelam...”. Mansidão em olhar para vida, para fora de si, ver nela a beleza e a dureza, o ônus e o bônus, a dor e a alegria, aprender a viver como relação bem-aventurada. Mansidão ao confrontar-se com um mundo belo e terrível, prazeroso e sofrível, desejável e penoso, incontrolável, imprevisível...

Antes de estarmos adentrando o lugar solitário e silencioso da interiorização, da interioridade, parece-me que Jesus Cristo nos chama ao abandono de si como lugar de certeza. O sentido do movimento não é de encontrar-se, mas de descentrar-se. Tomo consciência de minha vulnerabilidade e precariedade, confiando naquele que me coloca num lugar de realização; olho para fora e vejo que tantos outros choram as lágrimas que choro e percebo a comunidade de dor, com a qual compartilhamos; a dor que é nossa não me conduz à dureza e à violência, mas a aprender o caminho da mansidão. Mas a mansidão não é passividade, nem impotência, mas bem-aventurança, isto é, o gozo de uma escolha amorosa.

Então nos encontramos com mais um movimento de exteriorização: “bem-aventurado os que têm fome e sede de justiça...”. A justiça é relacional, é abertura para acordos e arranjos nos quais as diferenças não implicam em desigualdades, mas em complementariedades, codependências. O motivo, a razão, o sentido e o significado da existência é dada não por um conceito de felicidade individualista, mas nos encontros que visam a máxima realização comum e individual. A máxima realização da vida está imbricada com a escolha individual em que o comum se enriquece. Ter fome e sede desta justiça é não se conformar com as engrenagens de um mecanismo que tritura e desfaz o humano e o torna apenas matéria-prima para a reprodução maquinal das disfunções, distorções, indiferenças, que beneficia alguns. Ter fome e sede de justiça é perceber o absurdo de um mundo belo tornado monstruoso pela mecanização da vida. Um mecanismo que tritura e dissolve a individualidade numa massa desforme e violenta. Um mecanismo que fragmenta e segrega cada um em espaços incomunicáveis da solidão. Ter fome e sede é a percepção, a consciência de que a máquina beneficia alguns, enquanto retira de muitos a possibilidade de uma realização plena.

O caminho da exteriorização avança sobre o vale da sombra da morte. “Bem-aventurado os misericordiosos...”, os que colocam seu coração na miséria alheia; “bem-aventurado os pacificadores...”, aqueles que diante dos conflitos, se colocam em meio ao confronto e dialogam em prol da paz; “bem-aventurados os que sofrerem injustiça...por conta de meu nome...”, voltamos à justiça, à bem-aventurança como injustiça. Neste ponto podemos nos aproximar um pouco mais de uma possibilidade de entendermos a bem-aventurança. A bem-aventurança é uma escolha amorosa em despojar-se, olhar para o outro e não recuar, pois a máxima realização da existência é dada no encontro com o outro e seu choro, sua dor, sua injustiça, sua miséria, seus confrontos. Então podemos entender Paulo quando ouve a voz que lhe diz: a ti importa sofrer.

Resta, então, o descer do monte. Não antes, porém, de saber que Jesus, o homem, é o Cristo. A transfiguração mostra o Deus que se parece conosco, que somos apenas humanos: “Deus...tornou-se gente e envolveu-se com as pessoas e ganhou a nossa cara – ficou parecido comigo!” (pg. 67) Jesus Cristo nos mostra que somos apenas humanos, finitos, contraditórios, mas, amados, pois Jesus Cristo fez a escolha amorosa que nos deu acesso à máxima realização de nossas vidas, ao dizer sim à máxima realização de sua vida na cruz. A máxima realização da vida nos move do topo da montanha, o lugar onde nos deparamos com as bem-aventuranças, com a escolha que nos custará a convicção de nunca nos ausentarmos deste lugar, para o sopé da montanha.

Concluo minha leitura dizendo que chegamos à base, onde as pessoas estão, por caminhos diferentes. Bregantim por meio da interioridade, eu por meio da exterioridade. Encontramo-nos, aparentemente, no mesmo lugar. Ledo engano. Ouvimos o sermão, vimos Jesus Cristo, homem-Deus, descemos a encosta da montanha, chegamos no chão duro e sujo. Mas ali nos separamos. Posso dizer que sou um homem com as mãos sujas de graxa e pés limpos, enfiados em meias e sapatos. Bregantim tem seus pés sujos, enquanto suas mãos tem o cheiro perfumado, como aqueles que se tronaram lavadores de pés. Ele, um homem que alarga as fronteiras exteriores do Reino, enquanto eu converso com os livros.

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