Cristo Apolítico: a Cruz e o Estado
- Marcos Nicolini
- Apr 3, 2024
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Há um diálogo dramático no Antigo Testamento, na Bíblia, entre YHWH e Samuel o profeta e último Juiz.

O povo pede um rei e Samuel atribui a si o fracasso na condução de Israel. O povo compara-se aos demais povos e diz querer ser como tais, os quais tem um rei, uma instância que podemos chamar, sem medo de anacronismo, de Estado. O povo quer um Estado, um poder material.
YHWW se volta a Samuel e lhe declara que o povo não se rebela contra o profeta, mas contra o próprio YHWH. O projeto de uma sociedade sem Estado e sem dominação do homem sobre o homem torna-se um aborto e a salvação passa pelo poder político.
Deus não constituiu o Estado, antes, este Leviatã é fruto da rejeição humana ao projeto divino.
O texto veterotestamentário é marcado por este conflito entre a proposição de YHWW e a violência de uma dominação do homem sobre o homem pela auto-fundação de um poder político.
Caim mata Abel e se torna o fundador de cidades.Ninrode, poderoso caçador (de homens), filho de Cam (aquele que fora amaldiçoado por Noé) funda, entre outras, Babel (ou Babilônia), arquétipo da Cidade e sua perversidade.
Sodoma é o símbolo da cidade e sua injustiça.
Abraão faz guerra com cinco Reis e cinco cidades.
Roma é a tipologia da cidade violenta.
Podemos traçar esta relação de antagonismo entre o poder político e o convite divino.
O Estado e o poder político não são instituições do Deus da Bíblia.
Jesus, em certo momento, diz: “entre os povos há os que dominam e os que se deixam dominar, mas entre vocês não será assim…”.
Paulo escreve que a nossa luta não é contra a carne e o sangue mas contra o Imperium (Arché) e contra os que exercem dominação, ou seja, contra o Estado e o poder político.
Esta arqueologia das idéias e certa genealogia de um certo anarquismo teológico nos permite ler a Cruz como uma posição apolítica, resistência ao Estado e proposição de uma sociedade sem dominação.
A Cruz como ato contundente de desnudamento da violência do Estado, quando o poder dominante assassina um inocente a fim de marcar seu domínio sobre os corpos a partir do terror, sua única arma.
Hoje quando parte daqueles que se dizem herdeiros do evangelho apregoam que este monstro demoníaco é instituição divina e a outra parte declara uma fé no Estado como meio de salvação, cabe lembrar que estes não se rebelam contra o testemunho dos antigos, mas se rebelam contra Deus e crucificam mais uma vez o Cristo.



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