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Nó Górdio

  • Marcos Nicolini
  • Feb 23, 2024
  • 4 min read

Aymeê Rocha, vestida com a bandeira do Brasil, deu um nó górdio na direita e na esquerda evangélica e eu gostei muito.


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Colocou a esquerda religiosa (que podemos chamar de progressista) na berlinda, pois esta atacou com violência (o que é uma redundância quando se fala de religião da práxis política) a então ministra Damares quando denunciou a prostituição infantil e o tráfico de órgãos, também de crianças, praticada impunemente na Ilha de Marajó.

 

Cabe dizer que esta prática não está restrita à tal Ilha, mas que se pratica em grande parte dos sertões veredas. Atacou a ministra com brutalidade e truculência e agora enfrenta o retorno da crítica, mas, proveniente de alguém que não é da turma de lá, melhor, que não se apresenta como eles.

 

O que fazer? Fazer eco à denúncia atual, em sua legitimidade e veracidade, veiculada pela música de uma jovem paraense evangélica que reside no interior daquele estado e ter que fingir esquecer que é apenas um efeito bumerangue, um retorno do que antes foi dito, perseguido e calado?

 

Lembramos que ao atacar a ministra Damares e agora ver retornar a denúncia, tem que lidar com o fato que crianças foram e continuam sendo vitimadas e tal vitimação foi protegida e garantida em sua continuidade, pelos ataques virulentos que deram respaldo às práticas de extrema crueldade. As crianças são efeitos colaterais, secundários de uma guerra, política-religiosa, que se trava entre esquerda e direita.

 

É uma pena que crianças continuam a sofrer e a morrer, mas, concordam que se havia de destruir o inimigo maior: o Bolsonarismo. E que se danem as crianças, pois depois veremos o que fazer com elas. Em toda guerra há mortes indesejadas, mas inevitáveis. Destruir Damares era e é mais importante estrategicamente do que acolher a denúncia e agir contra este estado de coisas.

 

Mas a música oferece outro problema: a denúncia ao evangelicalismo que foi absorvido pelo materialismo de teologias espúrias, mormente aquelas que pregam o individualismo radical e a prosperidade como sentido da vivência religiosa.

 

A letra da música golpeia o discurso de pastores e vivência de crentes que cultuam o umbigo e oferecem sacrifícios a Mamom. Pessoas que são seduzidas por uma pregação da riqueza material que eleva o indivíduo a uma troca do ser pelo ter, da comunhão e comunidade, pela luxúria da emoção e sensualidade. Negando ao evangelho o “venha a nós o Vosso Reino”, pregam uma crença na propriedade do tangível e o enriquecimento daqueles que sendo Filhos do Rei tudo podem obter e possuir. Deus é submetido à servidão dos que esfregam-lhe na face a obrigação de não mentir e o dever de cumprir promessas que nunca as fez.

 

Se de um lado Marajó viralizou (dantes o vírus era Damares) nas redes sociais na brutalidade da dor de crianças, de outro a pregação de um Reino evidenciado pela riqueza se pôs a nu. As orações em primeira pessoa do singular e a satisfação de bens materiais insufladas pelo desejo de aparentar escolhas privilegiadas e acesso ao Deus do ouro e da prata, foram expostas como participar da mesa da Grande Meretriz.

 

Vozes, que na maior das vezes ratificam o farisaísmo destes Fariseus, se levantam para proteger esta Igreja que vela pela pregação que dizem ser a correta, pela ortodoxia, a verdadeira Palavra de Deus, aqui exposta como farisaísmo, protegido pelos Fariseus os quais repartem a túnica do Cristo nu. Desta maneira há de se salientar a denúncia de Damares, mas ocultar a orgia que se fazem com os recursos sequestrados de acreditadores ávidos por protagonizar no mundo do consumo, no qual nem coadjuvância exercem.

 

A direita religiosa que forma milhões de Esaús, os quais são ensinados a trocarem a primogenitura por pratos de lentilhas, por abandonar a esperança pelo intestino, esta corre para calar a voz da cantora e salientar os feitos da ministra e de seus ministérios gulosos.

 

Então, a esquerda que transformou o Evangelho do Reino em uma práxis política em que o Reino se manifesta no tempo e na materialidade do Estado, abolindo a propriedade privada e impondo a igualdade, agora se vê exposta em sua hipocrisia e violência política ao crucificar crianças em nome do dever de destruir o mal, o qual é o representante.

 

Então, a direita que suga as energias e os recursos de pobres e desamparados, falseando e sofismando pregações anacrônicas que negam o Evangelho e entregam ao desalento e esquecimento aqueles pequeninos que Deus ama, aqueles nus, famintos, dentes e desterrados, em nome da posse do efêmero se esconde como um Adão nu e mentiroso, prestes a ser vomitado por Deus.

 

A estes Aymeê, que nos lembra de aime (amor em francês) golpeia com a lembrança que o profeta certa vez se deparou com uma mula falante, que dizia as coisas de YHWH, às quais deu atenção e repetiu. Aimeê nos lembra que o amor não pode ser parado, nem pela política e sua lei da morte e da violência, nem pelo ódio aos adversários, nem pelo dever, nem pelo peso das propriedades que aprisionam os incautos, mas se move pela compaixão pelos mais vulneráveis e frágeis. Estes que são extorquidos pela direita e assassinados pela esquerda.

 

E Jesus chorou.  

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