Notas sobre o sagrado
- Marcos Nicolini
- Nov 26, 2021
- 2 min read
O sagrado, já dizia Durkheim, se opõe ao profano. Sagrado é o que é devido aos deuses, enquanto o profano é a parte dos humanos.
Consagrar é dedicar aos deuses a parte que lhes cabe. Isto implica em uma divisão: dividir para consagrar.

A religião é a arte da consagração. Como nos diz Giorgio Agamben, religião tanto vem de religare como de religere.
Religare é fazer ligações, construir acessos, é ligar os homens aos deuses e vice-e-versa
Religere é fender, cortar, dividir, é consagrar.
Religião é como uma porta: tanto abre, quanto fecha; tanto une espaços distintos, quanto distingue o que é unido: dentro e fora.
Há quem discorde destas teses de Agamben, mas para nós aqui é o que basta.
A religião como religere, como a que divide, corta, segrega, separa é a arte de sacralizar, de consagrar, de sacrificar.
O sacrifício é cortar o todo em partes, a fim de consagrar aos deuses uma parte do real.
A religião vive do sacrifício, isto é, da morte: o sagrado é a morte, o assassinato ritual.
O que é o sacrifício?
O sacrifício se funda em duas ideias: a morte e a vida sem fim.
O sacrifício é da mesma ordem da religião: separar e unir, morrer e viver.
A ideia do sacrifício, isto é, a crença que funda o sacrifício é o sado-masoquismo, como nos diria Deleuze e Guatari em Capitalismo e esquizofrenia.
O sagrado é sado-masoquismo nas últimas consequências.
Sacralizar é dizer: se eu sacrificar parte do meu gozo presente e separar esta parte aos deuses, então, os deuses me conferirão o direito de, tal qual eles, me tornar imortal, viver uma vida sem morte.
O sagrado é este procedimento de não gozar o presente e criar uma poupança que me garanta um futuro sem morte, sem males.
Por isto é sádico, pois é sustentado pelo sofrimento no presente.
Por isto é masoquista, pois é um adiamento constante do prazer.
Por isto é sado-masoquista, pois o sofrimento de cada presente, prolongado por infinitos presentes, garante a promessa do gozo num futuro inalcançável.
O sofrimento contínuo em cada hoje que se renova e perpetua é a promessa do adiamento da morte para um futuro sempre adiado.
O sagrado é isto: o eterno retorno do sofrimento que reafirma a morte enquanto projeta a vida para um futuro sempre adiado.
Como diz o Profeta Daniel, o Messias veio por fim ao sacrifício, à religião, ao sagrado.
Consagrar, tornar sagrado, sacralizar é realizar a obra satânica de adiar a vida, vivendo sempre a morte, dia após dia.
A religão é a arte do demônio: se me adorares...isto é, se todos os dias você assassinar a vida por conta do medo da morte.
Não é por acaso que as religiões e as ideologias políticas conclamam ao sacrifício do presente em prol da utopia escatológica.



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