Eternidade, rito e temporalidade
- Marcos Nicolini
- Apr 2, 2021
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Se, por eclosão sou compelido a dizer, por um instante, coisas que nada sei, mas ouso me deixar afetar, como uma experiência, espiritual, de uma espiritualidade que me faz humano. Humano enquanto aberto a planos que escapam à tirania do estar temporalizado.
Enquanto ousado, sou como que agredido pelo que se quer impor como tragédia, como as muitas mortes que nos cercam e querem nos fazer render submissão incondicional. A violência do viver para a morte, inelutável, instância que se quer para o vivente. Antes, quase-viver sob o jugo das muitas faces do deus da morte que exige o sacrifício de tudo que nos diz esperança.
Se posso dizer, ainda, do rito eterno. Eterno enquanto aquilo que limita o tempo, desconsidera-o como instância soberana, abrindo à possibilidade de remeter-se ao que não se dá à passagem, é sempre, embora marque o tempo oferecendo a experiência do sentido.
O tempo cuja eternidade seria o seu retorno em mesmidade sem auteridade. O tempo das mutações degradantes sem sentido. O tempo sem o outro, o fora, a abertura, a possibilidade. O tempo aliado da morte e do vazio de uma imagem planificada de quem se vê a si e mergulha no nada.
Então, se posso dizer da eternidade e do rito que a ela me remete, então, deste dia, em especial, posso reencontrar-me com a vastidão experiênciável apenas como indizível.
Posso olhar para o rito como marca temporal do eterno no tempo. O rito como memória e anunciação dos limites do tempo, como sentido da experiência da liberdade na esperança. O rito que reconhece a marca temporal, extemporânea, intemporal, atemporal, de algo que rasgou o tempo, mas não o anulou por completo. O rito que se mostra no eterno, marca o tempo não se esgotando nele e não lhe sendo contemporâneo: o eterno que torna o tempo uma novidade, “Ahyeh Asher Ehyeh”.
O rito que expõe a morte à sua morte. O rito do sacrifício que anula todo ato sacrificial, todo rito que requer sacrifício. O rito do fim do sacrifício. Diante das muitas mortes, o rito que mata a morte que está na tirania do tempo que nos quer caminhantes para o túmulo.
O rito, memória e extemporaneidade, temporalidade e esperança. O rito que nos coloca diante do direito de ajuizamento da morte inocente, que expõe a violência do rito trágico, mas que nos situa diante da abertura de um “Eli, Eli, Lamá sabactani.” De um olhar não circunstancial do realismo material, mas do acolhimento amoroso de quem advoga o perdão aos detratores.
O rito do indizível que esteve entre nós. O rito que anuncia a ausência de discursos, de palavras e nos fala a verdade no viver. O rito que nos faz contemplar, como as Marias e João, não apenas a morte inocente, mas a morte dos que poderiam ainda viver ainda mais. A morte pela violência, as mortes pela desesperança, as mortes conduzidas pelos que degradam a vida por não ver nela nada, nada além de si mesmos. O rito que diz que não há tempo para a eternidade, mesmo quando a eternidade marca o tempo.
O rito do Jesus, o Cristo, entre os mortos que o ladeavam. O rito de Cristo, Jesus, anunciado a morte das mortes.



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