top of page

Eloi Lamá Sabactani!

  • Marcos Nicolini
  • Feb 18, 2017
  • 2 min read

O menino, atado, deitado, desconfortavelmente via seu pai se aproximar de si, empunhando a adaga. Seus olhos fitos nos olhos de seu pai, enquanto a lâmina se aproximava de sua jugular. Parecia entender e duvidar de tudo. Entendia a viagem, a

ree

solidão, a subida ao monte, a escolha precisa do lugar. Entendia as amarras nos pés e nas mãos, a imobilização e o momento em que foi deitado na pedra. Entendera, finalmente, que se tratava de si, era ele, aquele que haveria de derramar o sangue e entendera a falta do outro a ser sacrificado. No entanto, não entendia por que ele, e não alguém outro. Não entendia como seu pai, que tantas vezes lhe contara a história de suas orações ao inominável, ao inapreensível, aquela história de petições por um herdeiro. Como seu pai que desejara tanto um filho para ser a prolongação de sua vida, este seu pai, agora, lhe oferecia como um sacrifício? Isto não entendera. A lâmina se aproximava de sua jugular, assim como seus olhos se aproximavam dele e do horror. A respiração falha e o coração disparado, o olhar fixado e a adaga já quase cortando a carne, os olhos confinados de um ao de outro, o terror e horror, a despedida e culpa fazendo cena. O menino, contudo, percebeu que seu velho pai, que lhe fitava enlouquecido, penetrando sua vida em sua vida, como que, mantendo os olhos no olhar, já não via seu filho ali. As mãos continuavam no sentido de seu destino cruento, mas seu olhar não se sentia nos olhos do menino, como quem desvia a vista enquanto olha o destino. Não sabia se iria desfalecer do corte ou do pânico, da falta de ar e palpitação. Percebeu, no entanto, que a mão havia parado, como se alguém lhe houvesse segurado pelos braços. Um leve recuo, um movimento da vista, um olhar para trás, como se seu nome tivesse sido chamado. Uma lágrima e um sorriso, somente este poderia ser ouvido, além do balançar das folhas ao vento, e ao fundo o som de um animal. O menino não percebera que seu pai não o havia desamparado. No último instante a faca corta as amarras e solta o menino, o qual é convidado a colocar o animal sobre a pedra e realizar o gesto de um sacrifício substitutivo. Mas a substituição não estancou a violência, mas a metamorfoseou e reforçou a ordem e a obediência. A morte cruenta e absurda, desprovida de razão e sentido, haveria de esperar um gesto definitivo de desnudamento, decretando seu fim ignóbil. Apenas quando o menino gritou alto, em agonia, “pai, por que me desamparaste?”, é que a violência fundamental encontrou um gesto derradeiro de apontou para o assassinato que exige o sacrifício contínuo do inocente. O assassinato sacrificial fundamenta a ordem violenta, e a solidão de um menino que fora abandonado pelo pai, aponta para sua brutalidade.

Comments


Obrigado por Subscrever

  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube
  • Pinterest
  • Tumblr Social Icon
  • Instagram
bottom of page