Ah, esta ilusão chamada razão.
- Marcos Nicolini
- Jul 10, 2023
- 2 min read
Pode até ter razão quem suspeita que há razões, enquanto se esquece de dizer que a razão não se funda em si mesma. As razões não são fundamentos, mas interagem e buscam no que não é racional, o que lhes permite que sejam tomadas como racionalidades. Para termos razões precisamos previamente não termos razão e nem razões. Apelamos para os irracionais, ou para um absurdo qualquer, uma crença gödeliana sobre a qual podemos, ainda que não venhamos a declarar, fazer valer o mote de Tertuliano: credo quia absurdum.

Acreditamos em Deus, na matéria, na natureza, na cultura, no corpo, na matemática e no cálculo, em nada, etc. Mas, ao fim, acreditamos no que não há provas alguma para darmos crédito. Sobre este absurdo arbitrário que nos escolhe ou que pensamos escolher, tecemos argumentos, ideologias, com alguma pré-potência de haver algo de racional. Este absurdo é o núcleo duro que funda, é o infundado fundante e fundamental a partir do qual outras coisas se apoiam, inclusive a razão.
Não é racional apregoarmos que giramos no vazio; que nosso estar no mundo é rizomático; que a circularidade da abertura é um abrir sem causa e que o ser estaria suspenso em nada, melhor ainda, no nada. Antes do nada o crer, ainda que no nada. O crer funda o nada, o existente ou o inapreensível. Confiamos que nada há para crer, ou que a certeza está na tangibilidade, ou ainda no incomensurável. Da crença nos lançamos ao edifício da racionalidade.
A crença como núcleo duro que a tudo sustém e nada a suporta, suporta axiomas e postulados como estruturas heurísticas que hora podem ocultar o núcleo, hora procuram revelar o irrevelável. Como no caso da Arca da Aliança em Israel que posta no interior escuro e inacessível do lugar mais santo, o Santo dos Santos separado por um espesso véu, revelava enquanto escondia o fato que YHWH era o fundamento, enquanto estava além do Ser e de Nada, além das provas e evidências: indemonstrável, inominável. YHWH não podia ser contido por aquele espaço e utensílios, enquanto se fazia presente como convicção e certeza nas palavras a Ele atribuídas, cridas. No interior da Arca a Lei e no interior da Lei a Emunah, que os cristãos traduzirão por Pistis, fé.
Os axiomas são com a Arca da Aliança, enquanto os postulados são como o Santo dos Santos, cujo valor está na presença do impresenciável, no que não pode estar presente além da Emunah, desta fé inabalável ad hoc que a tudo funda mas que não podemos olhar diretamente para além do véu, do Santo dos Santos, da Arca e da Torah.
Heidegger foi esperto ao dizer “o nada”. Apontou para o dispositivo metafísico que funda a o edifício materialista-niilista. A razão, como uma cobra que engole o próprio rabo, tem um ponto euclidiano a partir do qual move o mundo em movimentos constantes e contínuos, desde o Ser para seu fim, o nada.
Qual o futuro desta ilusão?
Não saberia dizer. Esperarei para poder perguntar ao Chat GPT.



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